Os direitos e os mínimos constitucionais na Educação estão sob forte pressão, particularmente desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 (EC 95/2016), também conhecida como emenda do teto de gastos. O artigo 212 da Constituição de 1988, estabelece que o gasto federal com a educação seja no mínimo 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) arrecadados no ano corrente. Após a aprovação do teto de gastos, o orçamento destinado à educação ficou vinculado à RLI de 2017, corrigida a partir daí pela inflação. Ou seja, nos anos de vigência do teto tais gastos não refletiram o mínimo estipulado pela constituição, e nas previsões efetuadas chegaria a 14,4% da RLI, em 2026, e 11,3%, em 2036. Em suma, a emenda do teto congelava o gasto destinado à educação, tornando o nível de gastos de 2017 o piso da educação no novo regime fiscal.
Neste cenário, o governo federal reduziu gradativamente a despesa educacional respondendo, em 2016, por 30,3% do total de gastos com educação e, em 2018, 28,1%1 . O Plano Nacional de Educação (PNE), por outro lado, com suas duas dezenas de metas para o decênio 2014/2024, estabeleceu em sua meta 20, que 10% do PIB deveria ser aplicado no setor. Em vez de avançar conforme previa o PNE, o país tem retrocedido no gasto em educação, mantendo o percentual em torno dos mesmos 5% da época de sua criação.
Após vivenciar o desmonte acentuado do Estado e das políticas sociais nos governos Temer e Bolsonaro, o piso em termos de gastos sociais foi rebaixado, particularmente na educação, sob o discurso de que havia recebido recursos excessivos nos governos petistas. No que se refere ao ensino superior, após o teto de gastos ter sido fixado, houve consequente redução das despesas discricionárias, relacionadas à manutenção e aos investimentos nas universidades e institutos federais, além de coibir reajustes salariais dos servidores, que ficaram sem a reposição de parte relevante de seu poder de compra.
Eleito Lula para seu terceiro mandato, o esforço do governo foi de garantir ao menos um mínimo de recursos para políticas públicas, muitas delas então abandonadas. Assim, foi costurada a Emenda Constitucional (EC) 126, que ensejou algum espaço para os gastos sociais em 2023, extinguiu o teto de gastos e, ao mesmo tempo, comprometeu-se com a aprovação de uma nova regra fiscal via lei complementar. A mesma emenda terminou por, indiretamente, restabelecer os mínimos constitucionais para a Educação. Dessa forma, em 2023, foi aprovado o Novo arcabouço fiscal (NAF) que se apresenta como um Teto de Gastos um pouco mais flexível, contando que haveria um crescimento significativo das receitas, permitindo algum crescimento real das despesas, sem legislar sobre os gastos educacionais, mas ainda mantendo a lógica da política fiscal de ajuste estrutural.
O NAF, apesar da flexibilização, no seu segundo ano já enfrenta um problema similar à emenda do teto: o crescimento dos gastos primários2 está limitado a 2,5% de crescimento real ao ano e a 70% da receita, fazendo com que os gastos obrigatórios, dentre eles o mínimo da educação, ocupem parcela cada vez maior do total de gastos primários e pressione todos os demais gastos primários. No caso da educação e da saúde, a restauração da regra constitucional quebra o artifício do teto de gastos e evidencia as razões da nova investida do governo federal no sentido da sua flexibilização e sua resistência em aprovar reajustes salariais para a educação.
Para melhor compreender a lógica da política fiscal neoliberal que está por trás do NAF é preciso primeiro descrevê-la. É um dos componentes de uma política econômica peculiar, teorizada pelo Novo Consenso Macroeconômico (NCM), cujo cerne é buscar estabilizar o nível de preços da economia por meio de uma política monetária assentada num regime de metas de inflação e num Banco Central independente. A política fiscal é subordinada à condução da política monetária, sendo voltada apenas para se atingir superávits fiscais a fim de garantir uma trajetória sustentável da dívida pública. Além disso, há a defesa de um regime cambial flutuante, no qual a livre entrada de divisas determinaria o valor comparativo da moeda. Essas três políticas são concretizadas por regras estipuladas dentro do regime legal, a fim de reduzir os graus de liberdade do Estado e, assim, em tese, proporcionar credibilidade ante aos agentes econômicos e garantir segurança e previsibilidade no longo prazo. Nessa perspectiva ortodoxa e dominante de macroeconomia só por essa via se alcança a estabilidade macroeconômica e o crescimento econômico que é puxado pelo aumento do investimento privado e não do Estado.
No Brasil, a adoção das políticas neoliberais do NCM ocorreu de forma plena em 1999, e teve como desdobramento na política fiscal a introdução de regras fiscais: a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelecida em 2000, a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95/2016), ou emenda do teto, e por último o NAF. Dessa forma, é sob essa armadura de regras fiscais, originárias de diretrizes do NCM e expressão do neoliberalismo ao redor do globo, que tem se adotado um ajuste fiscal estrutural no país independente da alternância de poder.
Deve-se pontuar que tal perfil de política fiscal atende prioritariamente ao compromisso de arcar com as despesas financeiras por meio de excedentes fiscais e, para que assim seja, comprime todos os gastos não financeiros que são exatamente aqueles que são submetidos a tetos. Além disso, exige processos continuados de privatizações e reformas do Estado, os quais reduzem o comprometimento do governo com políticas sociais e com sua atuação direta na promoção do crescimento econômico.
É importante salientar, que apesar da lógica apresentada, o governo é um lugar de disputa e através da economia política é possível compreender o jogo de interesses por trás da escolha que ele vem fazendo. Primeiramente, Lula foi eleito com pouca margem eleitoral, num país politicamente dividido e polarizado, formando um governo de coalizão. Nesse sentido, um dos seus denominadores comuns tem sido a condução da política econômica em moldes ortodoxos. A política alinhada à sustentabilidade da dívida garante a rentabilidade dos títulos públicos em posse das instituições financeiras. A escolha do governo Lula, portanto, não foi de enfrentamento, seguindo a via típica de conciliação de interesses de classes.
É possível ver os limites dessa estratégia política e econômica, que claramente não comporta para educação sequer os direitos constitucionais de 1988, sendo, assim, incapaz de satisfazer parcela relevante da base eleitoral do presidente. Alterar esse quadro se contrapõe aos interesses dos grandes oligopólios e do setor rentista da economia, fortemente representado no Congresso, que não toleram incertezas sobre a capacidade do Estado honrar a dívida pública e com isso garantir a sua renda mínima. Além desse aspecto, a armadilha das regras fiscais gera baixa margem para o governo praticar uma política fiscal voltada para a maioria, aprisionando governo, economia e sociedade aos ditames do mercado financeiro.
Para os trabalhadores da educação, não obstante, este é o momento político de reivindicar e pressionar o governo para manter o compromisso com os gastos em educação acima do mínimo constitucional. Não fazê-lo cobrará um preço alto no futuro. É inadmissível que isso seja feito por um governo que se elegeu com base no voto desses trabalhadores. Ao invés de aprisionar-se a lógica neoliberal da política fiscal praticada pelo governo federal é necessário estabelecer uma divisa civilizatória que o governo deve ser pressionado a não cruzar.