BOLETIM N°65 | 3º TRIMESTRE DE 2021

BRASIL: CONDENADO A NÃO CRESCER

O Boletim de Conjuntura em Economia da Ufes, produzido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Conjuntura da Universidade Federal do Espírito Santo, chega a sua 65a edição no início de 2022. Seu formato segue a mesma estrutura da edição anterior, com quatro seções, a primeira com a análise do nível de atividade, política fiscal e setor externo, a segunda sobre a política monetária e inflação e a terceira tratando do mercado de trabalho. Completa o texto, a tradicional análise do economista Fabrício Oliveira, fazendo um balanço da política econômica no ano de 2021. Um anexo estatístico fecha o boletim.

Os textos que seguem interpretam os resultados referentes ao ano de 2021, aguardado como o momento da arrancada, ou da recuperação econômica, afinal, à estagnação econômica que se arrasta desde 2015 juntaram-se, em 2020, os graves efeitos provocados pela pandemia de Covid-19, tanto na esfera econômica, social e sanitária, como pelo trágico número de mortos causados pela doença, o qual ultrapassa a casa dos 631 mil óbitos. Assim, 2021 seria o momento da virada econômica, pelo menos assim apostavam os técnicos do governo e o próprio presidente Bolsonaro.

Porém, sob o título Brasil: condenado a não crescer, a análise conjuntural aqui desenvolvida questiona profundamente tal otimismo. Afinal, com o PIB se arrastando e atingindo nível inferior ao observado em 2014, com a inflação e a Selic apresentando fortes tendências de alta, com a informalidade, a subutilização da mão de obra, a queda do rendimento médio da força de trabalho e a permanência de 13,5 milhões de brasileiros em busca de trabalho, e com a tímida recuperação no número de ocupados se mostrando incapaz de reencontrar o patamar pré-pandemia, fica difícil projetar um cenário animador de crescimento para 2022. Principalmente quando somamos o fato de que a variante do coronavírus, a Ômicron, volta a elevar o número de casos e mortos por Covid-19, além de provocar nova pressão sobre a ocupação de leitos hospitalares.

Nesse sentido, os dados apresentados e o texto do professor Fabrício de Oliveira desconstroem o mítico discurso do ministro da economia, Paulo Guedes, excessivamente confiante. O professor Fabrício mostra, ainda, que as dificuldades de ordem interna ao país, somadas aos efeitos contracionistas da economia internacional, impõem uma dura realidade para a economia brasileira nos próximos anos.

Nós, professores e estudantes do Grupo de Conjuntura, convidamos a todas e todos para a leitura dos textos produzidos para a presente edição.

Boa leitura!
Grupo de Conjuntura

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PNAD CONTÍNUA – APRESENTAÇÃO DINÂMICA SOBRE OS PRINCIPAIS CONCEITOS

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Lançamento do livro “ECONOMIA BRASILEIRA: 20 anos de Conjuntura (1997-2017)”

Da comemoração pelos 20 anos do Grupo de Estudos e Pesquisa em Conjuntura do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, completados no mês de novembro de 2017, resultou o presente livro, no qual as últimas duas décadas da economia brasileira são postas em questão. Além de analisar as transformações gerais da economia brasileira em referência às mudanças do quadro econômico mundial, o livro centra o foco de estudo no comportamento da dívida pública, do setor externo e do mercado de trabalho, como três dimensões nas quais a nova situação da economia brasileira se expressa de maneira mais aguda. Com isso, o leitor tem em mãos uma síntese contextualizada da conjuntura brasileira dos últimos vinte anos.

Autoria

Neide César Vargas, Daniel Pereira Sampaio e Henrique Pereira Braga (Org.)

Ano de Publicação
2021
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Piketty e as desigualdades no capitalismo: colocando alguns pingos nos is na análise de “O capital no século XXI”

                                                                                                       Fabrício Augusto de Oliveira¹

Resumo 

Este trabalho faz uma análise do livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI, de 2013, sobre a questão da desigualdade  no capitalismo. Para tanto, ele é desenvolvido em três seções. Na primeira, apresenta as principais ideias do autor sobre a  evolução da desigualdade desde o século XIX, bem como sobre as causas que têm provocado seu aumento no mundo a  partir da década de 1970, assim como sua proposta de criação de um imposto anual progressivo incidente sobre o capital  para reverter essa tendência. Na segunda, busca-se fazer uma interpretação teórica alternativa à de Piketty, à luz das  transformações conhecidas pelo capitalismo e das mudanças ocorridas no pensamento econômico a partir dessa época, sobre  as causas deste aumento das desigualdades. Na terceira, tecem-se comentários sobre novidades que seu estudo apresenta na  análise que realiza, bem como sobre suas deficiências para melhor compreensão dessa questão. 

Palavras-chave: Estado do bem-estar, Capital; Distribuição da renda e da riqueza, Tributação. 

Abstract  

Piketty and the inequalities in capitalism: an analysis of “Capital in the 21st century” 

This paper analyzes the book Capital in the 21st century, written by Thomas Piketty in 2013, on the issue of inequality in  capitalism. To do so, it is divided into three sections. In the first, it presents the author’s main ideas on the evolution of  inequality since the nineteenth century, and on the causes of its increase in the world from 1970 onwards, as well as its  proposal to create a progressive annual tax on capital to reverse this trend. In the second section, it seeks to make an  alternative theoretical interpretation to that of Piketty, in light of the transformations in capitalism and the changes that  occurred in economic thought from that time on the causes of this increase in inequality. In the third, contributions of the study in terms of the analysis performed are discussed, as well as its limitations that prevent a better understanding of this  issue. 

Keywords: Welfare state, Capital, Income and wealth distribution, Taxation.                JEL: I30, E01, D31, E62.

 

NOTAS
[1] Professor da Escola de Governo do Legislativo do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: fabricioaugusto@hotmail.com.
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BOLETIM N°64 | JULHO DE 2021

RECESSÃO E PANDEMIA: A CRISE ARRASTADA


O Boletim de Conjuntura em Economia da Ufes chega a sua 64a edição. Seu formato segue a mesma estrutura da edição anterior, com quatro seções, a primeira com a análise do nível de atividade, política fiscal e setor externo, a segunda sobre a política monetária e inflação e a terceira tratando do mercado de trabalho. Completa o texto, a tradicional análise do economista Fabrício Oliveira, fazendo um balanço da política econômica no ano. Um anexo estatístico fecha o boletim.

Essa edição trata do turbulento ano de 2020 e, portanto, dos efeitos da junção de crise econômica com outra, de caráter sanitário. A queda do PIB de 4,1%, em 2020, o crescimento da inflação, do desemprego, da informalidade e da subutilização da força de trabalho expressam um caminho tortuoso que pode ser sentido numa piora das condições de vida da maior parte dos brasileiros e brasileiras. Destaca-se, ainda, como as mulheres têm enfrentado maiores dificuldades nesse contexto. Ao que tudo indica, a crise pretende se arrastar ainda ao longo de 2021, agravando problemas econômicos e sociais latentes.

Esse quadro lança a sua sombra sobre o ano de 2021, que será objeto de análise do próximo boletim. A dita recuperação que se anuncia no ano corrente, como mostra o texto de Fabrício Oliveira, é frágil, tendo em vista a natureza do crescimento econômico, o aumento da inflação e a dificuldade de retomada do emprego.

Nós, professores e estudantes do Grupo de Conjuntura, convidamos a todas e todos para a leitura dos textos produzidos para a presente edição.

Boa leitura!
Grupo de Conjuntura

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Ensaio sobre a teoria econômica, o Estado e a política fiscal: uma breve síntese

Fabrício Augusto de Oliveira¹
Francisco Luiz C. Lopreato²

Resumo 

Este trabalho analisa como o Estado, a política fiscal e os impostos têm sido tratados na teoria econômica desde Adam  Smith até os dias atuais. Para tanto, percorre as várias etapas de desenvolvimento do pensamento econômico, à luz da  evolução e das transformações conhecidas pelo capitalismo, e como as ideias a respeito dessas questões foram se  alternando, ora condenando a atuação do Estado no campo econômico, ora defendendo-a, em função das crises e da  necessidade de reprodução do sistema. Sua conclusão é a de que, passado um longo período em tempos mais recentes,  em que predominaram as ideias neoliberais de ser a mesma altamente disfuncional para o sistema, a Grande Recessão  provocada pela crise de 2008, seguida das crises da dívida soberana europeia e do novo coronavírus, levou à reinclusão  tanto do Estado como da política fiscal na caixa de ferramentas consideradas necessárias para sua sobrevivência. 

Palavras-chave: Estado, Política fiscal, Teoria macroeconômica. 

Abstract 

This paper analyzes how the State, fiscal policy and taxes have been treated in economic theory since Adam Smith to  the present day. To this end, it goes through the various stages of the development of economic thought, in the light of  the evolution and transformations known by capitalism, and as the ideas about these issues were alternating,  condemning the State’s action in the economic field, or defending it, due to the crises and the need to reproduce the  system. Its conclusion is that, after a long period in more recent times, in which neoliberal ideas of being the same  highly dysfunctional for the system predominated, the Great Recession caused by the 2008 crisis, followed by the crises  of European sovereign debt and the new coronavirus, led to the reinclusion of both the State and fiscal policy in the  toolbox deemed necessary for its survival. 

Keywords: State, Fiscal policy, Macroeconomic theory. 
Códigos JEL: E, E6, H. 


NOTAS

[1] Professor da Escola do Legislativo do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: fabricioaugusto@hotmail.com
[2] Professor livre-docente, aposentado, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas  (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. E-mail: lopreato@unicamp.br.
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Entre a Potência e a Existência: notas sobre representações cinematográficas da condição humana contemporânea


Yago Ramalho Silva[2]

No cerne das mudanças sociais, políticas e culturais advindas com o fim da era de ouro, visualiza-se uma transformação de forma gradual e de ordem estrutural, que se caracteriza por um processo de subjetivação mercadológica (DARDOT; LAVAL, 2016) e, mais recentemente, individualização autorresponsável e positiva (HAN, 2017), conceitos que serão esclarecidos posteriormente. De acordo com Hobsbawm (1995), o fim da era de ouro marca um período em que as pessoas perderam seus referenciais, mesmo com o surgimento de novos entendimentos e posturas quanto a antigos problemas. Com menor relevância na obra do autor é que aparece o cenário cultural, especialmente no âmbito da cultura popular, e como essas transformações refletiam e ainda refletem a psicologia própria do indivíduo “pós-era de ouro”. É a esta reflexão que este pequeno texto se dedica.

Nesse sentido, objetiva-se, no presente texto, discorrer sobre algumas instâncias dentro do cinema em que a presença de um personagem fragmentado e alienado lança luz sobre dilemas antigos; por extensão, a mesma discussão será carregada no horizonte temporal até o presente, com uma análise das obras e seus respectivos contextos. Em particular, os filmes “Taxi Driver” (1976), “Parasite” (2019) e “Joker” (2019) servem como norteadores centrais da discussão, com um plano de fundo teórico que traz argumentos apresentados por Byung Chul-Han em “Sociedade do Cansaço”. Além disso, convém salientar que o meio não é a mensagem, e que o mesmo exercício poderia ser feito com outras representações cinematográficas.

Desde há muito que a arte tem representado ânsias sociais, êxtases estéticos e dilemas pessoais. Dos registros do cotidiano de nossos ancestrais caçadores-coletores em Lascaux[3] às interpretações contemporâneas dos trabalhos de Schubert[4], pode-se localizar padrões, formas prontas, temas, paródias etc. em um profícuo diálogo entre autores, apreciadores, suas histórias e contextos. Nessa dinâmica, a tradição literária do século XIX é de interesse para o argumento que se segue, o que exige uma breve nota. O comentário social e político, embora já presente em obras ficcionais pretéritas, torna-se um tropo nesse período, graças ao trabalho de autores como Dickens[5], sempre a discutir a pobreza e a miséria do povo inglês de então. Com o tempo e o advento de tendências modernistas, simbolistas, dentre outras, tais interações temáticas tornam-se progressivamente mais complexas, sutis e psicológicas. Por exemplo, têm-se o terreno que daria origem às narrativas kafkaescas, a personagens apáticos como Bartleby, ou aos insights espirituais de Dostoiévski. Esse trato continuaria até a contemporaneidade, especialmente na literatura pós-moderna de cunho experimental.

            Aproximando essa tendência para a segunda metade do século XX e início do século XXI, é possível observar a já consagrada (e simples) tese de Ricardo Piglia[6] de que, conforme uma forma deixa de ser a grande contadora de histórias de seu tempo, abre-se um espaço para a inovação e o experimento. No caso do romance de ficção, é fácil identificar o cinema e a televisão como os grandes substitutos na imaginação popular. No entanto, o que acontece quando esse mesmo cinema passa a experimentar com sua própria forma? Começando com a Nouvelle Vague francesa nos anos 60, observa-se uma gradual preferência por metatextualidade, monólogos interiores, cortes abruptos, etc. É o surgimento de uma forma mais autoral e pessoal de se produzir filmes. Esse detalhe é essencial, pois permite inferir algumas considerações mais subjetivas sobre o período.

            É neste ponto no tempo que se insere uma das obras seminais de Martin Scorsese, “Taxi Driver”. Lançado em 1976, o filme neo-noir narra uma das mais incisivas representações de decadência espiritual e moral da sociedade após o fim da era de ouro do capitalismo. Pretende-se descrever essa condição e argumentar como ela reverbera na contemporaneidade, usando para tanto dois outros filmes: o sul-coreano Parasite e o americano Joker, ambos lançados em 2019, que também discutem, à sua maneira, temas próximos. No entanto, antes de adentrar nesse argumento e na descrição dessas três obras, vale uma breve nota sobre o que foi a Era de Ouro e como se deu seu declínio.

A Era de Ouro pode ser descrita como um período de intenso crescimento econômico e grandes transformações estruturais. As mudanças eram profundas em todos os sentidos: políticos, econômicos, sociais e culturais. Como bem coloca Hobsbawm (1995), têm-se de um lado a expansão da escolaridade, especialmente entre as mulheres, a morte do campesinato, uma explosão da produtividade; por outro lado, um maior senso de individualidade, novos padrões de comportamento, do primeiro disco de rock à politização de toda preocupação. Num certo sentido, o auge do sonho americano se expressando como o auge do individualismo:

A revolução cultural de fins de século XX pode assim ser mais bem entendida como o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais. Pois essas texturas consistiam não apenas nas relações de fato entre seres humanos e suas formas de organização, mas também nas relações de fato entre seres humanos e os padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras. (HOBSBAWM, 1995, p. 328).

No entanto, o que não se esperava é que tudo isso fosse uma verdadeira bomba relógio. Já em 1973 o sistema começava a apresentar sinais de esgotamento, e velhos problemas passaram a fazer parte do cotidiano mais uma vez. Desemprego em massa (especialmente pela substituição do trabalho humano por máquinas), a desigualdade, a incerteza quanto ao futuro, entre tantos outros problemas, povoavam o imaginário popular – memórias ainda recentes da Grande Depressão sinalizavam que tudo aquilo talvez ainda pudesse ocorrer uma vez mais. Da ineficiência do Estado em suprimir os problemas até o surgimento de novas formas independentes e especializadas de fazer política, é inegável que todos esses processos reverberam em preocupações ainda atuais. 

Mas quem seriam essas pessoas sem referenciais, já tão individualizadas e, paradoxalmente, à mercê da própria impessoalidade? Scorsese talvez tenha respondido isso em 1976, com seu personagem Travis Bickle. Veterano da guerra do vietnã, desiludido, “God’s lonely man” e uma “walking contradiction”, o protagonista de Taxi Driver é um sujeito esquisito, não reage adequadamente ao seu entorno (seria Estresse Pós-Traumático (TEPT) ou alguma condição pretérita?), parece projetar sua frustração em ódio a grupos minoritários. Na verdade, mais que isso, ele é tão despido dos grandes dotes intelectuais de seus antecessores espirituais, os existencialistas europeus, que mal parece conseguir expressar o que sente de forma coesa, lógica e direta. Se Chul-Han (2017) fala de uma sociedade movida pelo slogan positivo yes, we can, Bickle preconiza o Anytime, Anywhere, uma alienação que impele à ação em qualquer contexto, ao trabalho sem direção.

Durante boa parte do filme só há Bickle e sua própria solidão: quando lhe dirigem a palavra, ele cala; quando ele fala, não há diálogo. Monólogos sem muito sentido são repetidos várias vezes (parecidos com as tentativas frustradas de Fabiano em Vidas Secas[7]), enquanto o protagonista se prepara, planeja e avança ideias ambíguas e certamente violentas. Nunca fica muito claro se o que o move é sua saúde mental deteriorada (note que ele mal consegue expressar que está deprimido, resumindo isso a ter “algumas ideias muito ruins na cabeça”), a solidão em si, a pobreza, ou o estado geral da Nova York na década de 70. Fato é que, quase em tom de homenagem, outro filme seria lançado em 2019 com premissa bem derivativa, embora menos ambígua: trata-se de Joker, do diretor Todd Phillips (e as semelhanças não são novidade para ninguém).

Situado na década de 80, ou seja, um pouco depois do período até então discutido, Joker apresenta os mesmos temas, de forma mais bruta e direta. Temos um homem e seu sentimento de inadequação, prestes a explodir em uma revolta interior e a cometer atos de extrema brutalidade. Mais interessante que as similaridades é notar que, a despeito de tratar de velhos problemas, o telespectador contemporâneo consegue compreender o personagem e sua dor, é capaz de traçar possíveis motivações para suas ações, e não raro até mesmo simpatizar. Arthur Fleck só queria provar para si mesmo que existia de fato, e encontra essa prova num cálculo mental que racionaliza o assassinato de pessoas vistas por ele como vis, por mais niilista e inconsequente que esses atos pareçam para ele mesmo: perdidas as amarras, já não se tem nada a perder. Se lembrarmos de Raskólnikov[8] a justificar seus planos de assassinato em cima de grandes figuras históricas, é possível fazer uma analogia em que essas figuras, na vida de Arthur, são aquelas que sempre o desprezaram por sua condição.

Do medo anterior ao lançamento de que talvez o personagem pudesse inspirar atentados (dizia-se até mesmo que se tratava de um filme irresponsável) a símbolo de revolta no Chile, o essencial é notar que toda essa problemática ainda persiste no tempo. E neste mesmo ano de 2019, outro filme viria a trabalhar essa problemática de forma quase invertida: trata-se de Parasita, do sul-coreano Bong Joon-Ho.

Aqui, a contradição é explorar esses meandros psicológicos numa sociedade que por todos os índices e indicadores é vista como avançada, desenvolvida e rica. Na obra, a família Kim, pobre e que vive num apartamento subterrâneo sujeito a todo tipo de inundação e sujeira, ascende socialmente enquanto engana aqueles que estão socialmente acima (a família Park, rica) e aqueles que estão em pé de igualdade com eles, como a governanta. Se o tom inicial é bem humorado, quase caricato, típico de k-dramas, o roteiro cria uma ruptura inesperada em sua segunda metade, quando da revelação de um homem que por muitos anos viveu em um bunker da mansão dos Park. 

Em entrevista, o diretor Bong Joon-Ho afirma que a universalidade desse sentimento especificamente coreano, retratado no filme, advém de um elemento essencial: basicamente, todos nós vivemos no mesmo país, que é o capitalismo. Parte da chave desse artigo se encontra nessa ideia. No conflito entre as famílias Kim e Park, não há um mundo simples, de mocinhos e bandidos. Na verdade, um dos grandes êxitos da obra é apresentar com suficiente nuance e ambiguidade como cada personagem está presa a seus próprios vieses de classe. O “fantasma” do bunker, que cultua a figura do rico meramente por poder subsistir abaixo dele, é simbólico, porque no final esse parece ser o destino de cada membro da família Kim, quando não a morte. Num jogo de mímica, em que o pobre se passa por rico, há sempre a imagem de uma escada e o ângulo certo para mostrar que tudo aquilo era ilusório tanto quanto transitório (como nos diversos posters de divulgação, conforme podemos ver a seguir[9]). O “cheiro de pobre” que tão sutilmente separava as duas famílias tem rosto, dimensão e história, mas termina como um mero “fantasma” a vagar com o peso de seu próprio passado. A revolta em Parasita, que pode ser melhor vista no destino do pai Ki-Taek, não tem a redenção e o surto como nos outros filmes tratados aqui, mas apresenta aquela mesma individualização, uma ruptura solitária e indiferente que é enfim silenciada.


 Arte por Jisu Choi                                              //                               Arte por Andrew Bannister

Essa caracterização um tanto esquemática de como as personagens nos três filmes se enxergam e se comportam chama a atenção para dois aspectos centrais: i) o indivíduo pós-era de ouro é essencialmente o mesmo da contemporaneidade; ii) essa paisagem psicológica e moral não necessariamente precisa estar relacionada com um contexto cultural e geográfico específico

Para melhor desenvolver esses aspectos, é preciso explorar a noção de homem que prevalece na contemporaneidade. Com o advento do século XX, Dardot & Laval (2016) mostram como uma nova concepção de mercado passou a existir, e com isso, uma nova concepção de indivíduo. Das premissas tradicionais do liberalismo e do homo oeconomicus maximizador, surge a figura do homem-empresa, em que impera um modo de governo de si que é empreendedor, empresarial.  Mais do que um personagem que age no plano econômico, é um estágio novo, um plano em que todas as ações humanas estão sujeitas a uma lógica mercadológica (daí a noção supracitada de uma ‘’subjetivação mercadológica’’: a noção de que a própria identidade e os vários cenários da vida podem ser encarados por uma ótica de mercado).

Han (2017) aponta para uma interpretação semelhante. Segundo ele, vivemos em uma sociedade do desempenho que se caracteriza por excessos de positividade: os indivíduos, empresários de si mesmos, agem de acordo com iniciativas e planos de desempenho e produção. Um sujeito que explora a si mesmo, mais especificamente, e crê ser livre. Com as palavras do próprio:

O animal laborans pós-moderno não abandona sua individualidade ou seu ego para entregar-se pelo trabalho a um processo de vida anônimo da espécie. A sociedade laboral individualizou-se numa sociedade de desempenho e numa sociedade ativa. O animal laborans pós-moderno é provido do ego ao ponto de quase dilacerar-se. Ele pode ser tudo, menos passivo. (HAN, 2017, p. 43)

Ao que ele complementa logo após: “A desnarrativização…geral do mundo reforça o sentimento de transitoriedade” (Ibid., p.44).
Ao nível de uma caracterização psicológica e social desses fenômenos, a descrição feita acerca das personagens dos três filmes se encaixa bem nesses parâmetros. Como pode ser observado, nada em Dardot & Laval ou em Han parece sugerir um contexto ou uma temporalidade muito delimitada: é uma sociedade e é um homem só, o pós-moderno, contemporâneo e que vive no país chamado capitalismo. Visão semelhante é partilhada pelo diretor de Parasita, Bong Joon-Ho.

A resposta extrema a um mundo transitório, em que se é responsável por seu próprio valor e reconhecimento, é a revolta trágica e dada num plano individual. Como foi salientado durante o texto, embora Travis, Arthur e a família Kim sofram de problemas concretos socialmente determinados como alienação, pobreza, abuso etc. a resposta é sempre internalizada e, muitas das vezes, até mesmo niilista.

Similar à busca de sentido num mundo intrinsecamente alheio do qual os existencialistas tanto falavam em meados do século XX, mas somado a uma condição de excesso informacional, de fragmentação social e de falta de referenciais: essa é a condição do homem para a qual Hobsbawm chamou a atenção; este é o homem contemporâneo.

Os últimos 50 anos viram surgir um novo tipo de indivíduo, com problemas e convicções particulares. O argumento central do presente artigo foi mostrar como essa caracterização pode ser apercebida temporalmente através de intervenções na cultura popular, produções suficientemente íntimas capazes de gerar insights sobre a mentalidade de seus conterrâneos, mesmo no caso mais baixo da produção massificada. Grosso modo, a ideia é que certos tropos e temas se repetem em constantes homenagens internas (o exemplo mais óbvio sendo Taxi Driver e Joker), recepção popular empática, e referencialidade a problemas concretos e presentes no imaginário popular. Com as personagens, foi possível delimitar o que seria, de forma talvez exagerada, o homem contemporâneo. Com a ajuda de Dardot & Laval e Byung-Chul Han, foi possível estabelecer exatamente quem são essas personagens. De forma sintética, e fazendo alusão ao título, temos o poema Os Homens Ocos, de T.S Eliot:

“Nós somos os homens ocos/ Os homens empalhados/ Uns nos outros amparados/ O elmo cheio de nada. Ai de nós!/ Nossas vozes dessecadas,/ Quando juntos sussurramos,/ São quietas e inexpressas […]”

 


NOTAS


[1] Artigo feito para a disciplina de Economia Mundial Contemporânea, semestre EARTE 2020/1. O número de referências e de palavras fazem parte da proposta da disciplina.
[2] Graduando em ciências econômicas (UFES). 
[3] Famoso complexo de cavernas localizado na França, caracterizado pela qualidade e quantidade de seus registros. Para mais: https://archeologie.culture.fr/lascaux/fr.
[4] Compositor austríaco do início do romantismo. O comentário é genérico, visto que pretende apenas ressaltar certo costume presente na música erudita.
[5] Escritor vitoriano, popular pelos comentários sociais e realismo presentes em suas obras.
[6] Escritor e crítico literário argentino.
[7] Obra de Graciliano Ramos publicada em 1938 que narra as condições de vida de uma família no sertão nordestino, amplamente reverenciado como um dos principais romances da literatura brasileira. Fabiano é um vaqueiro e personagem central da narrativa. Uma de suas características mais marcantes é a clara deficiência linguística que apresenta, sendo incapaz de passar ideias simples e muitas das vezes imitando, de forma quixotesca, o falar de outras pessoas.
[8] Protagonista de Crime e Castigo, romance de Fiódor Dostoiévski.
[9] Disponível em: <https://mubi.com/notebook/posts/movie-poster-of-the-week-the-posters-of-parasite>. Acesso em 16/04/2021

BIBLIOGRAFIA


DARDOT, P; LAVAL, C. O homem empresarial. In: A nova razão do mundo. São Paulo: Boitempo, 2016. [p. 139-155]
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Editora Vozes, 2017.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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A família PNAD: explicando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

Estudantes subgrupo de empregos e salários [1]

A partir de entrevistas em diversos domicílios brasileiros, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coleta dados para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que é importante instrumento para a formulação, validação e avaliação de políticas direcionadas ao desenvolvimento socioeconômico e a melhoria das condições de vida no país. Em seu modelo contínuo (PNAD Contínua), a pesquisa visa produzir indicadores para acompanhar flutuações trimestrais e a evolução a médio e longo prazo da força de trabalho, dentre outras informações.

É comum tratarmos os resultados da pesquisa do ponto de vista estatístico, esquecendo, por vezes, que a pesquisa é um retrato da realidade nacional, isto é, são seres humanos que se encontram naquelas diversas situações. Assim, com a finalidade de entender os principais conceitos referentes a essa pesquisa e desconstruir a noção puramente matemática que, por vezes, informa as análises, conheceremos um pouco da história dos membros da Família Pereira Nascimento Almeida Dias, a família PNAD, uma família brasileira que vivencia diferentes realidades quando o assunto é sua inserção no mercado de trabalho.

Essa família de tantos sobrenomes é composta por 8 pessoas, dentre elas, Maria. Nossa personagem principal tem 40 anos e é mãe de 3 filhos: Juninho, Camila e Júlio César. Próximo a sua casa, mora seu pai, Sr. Antônio, e seu irmão, Augusto, com seus 2 filhos, Rafaela e Marcelo. Coincidentemente, cada habitante desses dois domicílios é classificado de acordo com diferentes categorias da pesquisa. Nesse sentido, essa família exemplifica, com suas posições no mercado de trabalho, os conceitos da PNAD Contínua. Abaixo segue um retrato da nossa família PNAD. Em seguida, apresentamos cada membro da família, explicando a situação que aquela pessoa se encontra em relação à inserção no mercado de trabalho. O Marcos, nosso técnico de pesquisa do IBGE, irá nos ajudar nesta empreitada. Nesta apresentação, destacamos quantos brasileiros (as) se encontram em cada situação, com base nos dados da pesquisa para o quarto trimestre de 2020. O objetivo, vale a pena reforçar, é convidar o leitor a refletir sobre o lado humano da pesquisa, afinal ela retrata o difícil cenário que muitos brasileiros e brasileiras estão enfrentando.

Olá, meu nome é Marcos, sou técnico de pesquisa do IBGE. Hoje vamos conhecer um pouco sobre os indicadores do mercado de trabalho a partir da realidade da família Pereira Nascimento Almeida Dias. Vamos começar? Conheceremos algumas categorias importantes para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e a situação de cada integrante da família.


População abaixo da idade de trabalhar (Menor de 14 anos): Olá, eu sou o Juninho, filho da Maria, tenho 4 anos e por isso não posso trabalhar. Na PNAD Contínua, pessoas com menos de 14 anos são consideradas abaixo da idade de trabalhar.  Todos os outros membros da minha família estão dentro da População em idade de trabalhar, pois eles possuem 14 anos ou mais. Mas, nem todas as pessoas que possuem idade para trabalhar estão trabalhando, há algumas que nem sequer estão à procura de uma inserção no mercado de trabalho. Do total da população brasileira em idade de trabalhar (176,362 milhões), no 4º trimestre de 2020, 100,1 milhões se encontravam na Força de Trabalho, isto é, estavam ocupadas ou desocupadas. Meu irmão, Júlio César, é um dos milhões de brasileiros que estão desocupados. Olha ele aí embaixo, explicando a situação.

Desocupado: Eai?! Meu nome é Julio César, sou o filho mais velho da Maria. Ultimamente, as coisas estão difíceis por aqui, pois mesmo buscando emprego e estando disponível para começar a qualquer momento, não tenho conseguido nada. A situação econômica do país não está nada fácil. Apesar de ter terminado meus estudos em engenharia, não consegui encontrar nenhuma oportunidade no mercado de trabalho. No 4º trimestre de 2020 existiam 13,9 milhões de pessoas nessa situação. Estou na categoria de desocupados, mas espero sair logo dessa situação e entrar para o grupo de Ocupados. Os ocupados são as pessoas que trabalharam pelo menos uma hora completa em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento etc.) na semana de referência da pesquisa. No 4º trimestre de 2020 existiam 86,1 milhões de pessoas nessa situação. Não vejo o momento de me juntar a eles. Meu tio, Augusto, está ocupado, o que é muito bom, mas, o melhor é que ele trabalha horas consideradas suficientes. Olha ele aí embaixo, explicando.

Ocupado com horas suficientes: Olá, eu sou o Augusto, irmão da Maria e filho do Antônio. Sou diretor financeiro de uma empresa de comércio de mármore e granito. Comecei cedo na firma como técnico em contabilidade, com o passar do tempo, consegui passar na faculdade de ciências contábeis, me formei e consegui esse cargo na empresa. Sou bem satisfeito financeiramente, trabalho de segunda a sexta, de 8 às 18h, e consigo ficar livre no final de semana para curtir com a minha família.  Estou feliz pela minha situação, mas ando preocupado com minha sobrinha, Camila. Ela também está nesse grupo de ocupados, como eu, isto é, ela tem um emprego. Mas, ela está trabalhando menos horas do que deseja e, por isso, integra o grupo de subocupados por horas insuficientes. Aí embaixo, ela explica como está sendo enfrentar essa situação:

Subocupada por horas insuficientes: Oi, eu sou a Camila, filha da Maria. Sou formada em biologia e dou aulas na escola do meu bairro, mas como não tinham muitas turmas, só consegui dar aulas no turno da manhã! Estou trabalhando 20 horas por semana, mas gostaria de trabalhar mais. Não somente gostaria, eu preciso. Como estou precisando aumentar a minha renda mensal, comprei uns utensílios e comecei a fazer bolo pra vender nessas horas disponíveis para complementar a renda. Eu vi no jornal que o número de pessoas que trabalham menos horas que desejariam, assim como eu, está crescendo no país. Na matéria, eles explicam que as pessoas nessa situação são denominadas de subocupadas. Eu sou subocupada, já que só dou 20h de aulas semanais e gostaria de trabalhar por mais horas. Difícil é acreditar, como disseram no jornal, que 6,9 milhões de pessoas estão em uma situação parecida como a minha.


Olá pessoal, sou o Marcos do IBGE, lembram? Pois é, na família PNAD, como vimos, o Augusto e a Camila estão trabalhando. Mesmo que em uma situação distinta, ambos estão no grupo de ocupados. Já o Júlio César está enfrentando uma barra à procura de emprego. No mercado de trabalho em geral, tanto as pessoas ocupadas quanto as desocupadas integram a Força de Trabalho. Mas, há, de acordo com o 4º trimestre de 2020, 76,2 milhões que estão Fora da Força de Trabalho, isto é, nem estão ocupados, nem estão procurando uma ocupação. Essa pode ser uma situação confortável para alguns que estão fora da Força de Trabalho Potencial (FTP), mas também pode ser expressão de uma situação dramática, para outros, que estão na FTP. Outros membros da família PNAD nos ajudam a entender isso.


Fora da força de trabalho potencial: Olá pessoal, eu sou o Antônio Pereira, pai da Maria e do Augusto. Em janeiro, eu comemorei 73 anos de idade, sou aposentado e por isso, de acordo com o IBGE, estou fora da força de trabalho. Com minha aposentadoria consigo pagar as contas e até dá para dar uma força pro Júlio César, meu neto, que está desempregado. No meu tempo era muito melhor, viu? Era impensável um engenheiro formado procurando emprego. Júlio até veio falar comigo, dizendo que quer trabalhar como Uber. Eu disse para ele esperar e continuar batalhando por um emprego com carteira de trabalho assinada, pois eu ainda posso ajudar por um tempo. A Maria, minha filha, sofre muito, pois não é fácil ter um filho nessa situação. Ela quer trabalhar fora para ajudar, coitada. Ela está aí, na batalha, procurando um emprego, mas não está disponível para trabalhar, pois tem que cuidar do Juninho. É por isso que ela está na Força de trabalho potencial, que é o conjunto de pessoas de 14 anos ou mais de idade que não estavam ocupadas nem desocupadas na semana de referência, mas que possuíam um potencial de se transformarem em força de trabalho. No 4° Trimestre de 2020, havia 11,315 milhões de pessoas nessa situação.

→ Buscou trabalho, mas não estava disponível:  Meu nome é Maria, tenho 40 anos e sou mãe solo de 3 jovens. O mais novo, Juninho, ainda é dependente de meus cuidados e o mais velho, Júlio César, perdeu seu emprego e passa os dias procurando por uma nova oportunidade. A renda da minha casa depende da minha filha, Camila e da força que meu pai está dando. Por isso, eu decidi procurar por uma ocupação. No entanto, apesar de nessas últimas semanas estar buscando por um trabalho, eu não poderia assumir esse novo posto, já que preciso estar em casa para cuidar dos afazeres domésticos e cuidar do meu filho mais novo, pois ainda não consegui uma vaga na creche para ele. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio me classifica no grupo de pessoas que buscaram trabalho, mas não estavam disponíveis para trabalhar. Pior do que eu só a Rafa, minha sobrinha, ela está procurando emprego há um tempão e não acha. Já desistiu, tadinha.

Desalentado: Ei gente, tudo bem?! Meu nome é Rafaela, sou filha do Augusto, tenho 28 anos e sou técnica em recursos humanos. Meu último emprego foi há 3 anos. Lá eu era assistente de RH. Depois de 8 meses da minha contratação, a empresa encerrou as atividades na cidade. Permaneci por mais 1 ano em busca de uma oportunidade, mas não encontrei. Foi então que decidi vir para a capital do meu estado tentar me realocar no mercado de trabalho, mas, infelizmente, não encontrei vagas. Com a crise econômica e a pandemia, parece que não encontrarei tão cedo uma vaga. De acordo com o IBGE, eu estou no grupo das pessoas desalentadas, ou seja, aquelas pessoas que, por algum motivo, desistiram de procurar emprego.  No 4º trimestre de 2020 existiam 5,7 milhões de pessoas nessa situação. Estamos na torcida, aqui em casa, pro tio Júlio César conseguir um bom emprego. Assim, o vovô volta a dar uma força nas contas aqui de casa. Quem sabe em algum momento, a situação melhora para mim também. Nosso objetivo, aqui em casa, é deixar o Marcelo, meu irmão, estudando, sem precisar trabalhar, mas está cada vez mais difícil.

→ Não desalentado: Olá! Eu sou filho do Augusto e me chamo Marcelo. Estou cursando o segundo ano da faculdade de Letras na Universidade Federal do meu estado. Com o apoio da minha família, estou me dedicando aos estudos e, por isso, não estou procurando um emprego no momento. Mas, com a situação da Rafa, se surgisse uma oportunidade eu estaria disponível. Segundo o IBGE, essa minha situação de não estar procurando um trabalho, mas estar disponível caso surgisse, é considerada como não desalentada. Diferente da minha irmã Rafaela, que é desalentada, ainda não busquei um emprego porque não seria interessante para mim agora.


Ei pessoal, olha eu aqui, o Marcos. Assim como alguns integrantes da família PNAD, existem muitos brasileiros na condição de subutilizados. Mas, o que é isso? É como se fosse um desperdício da força de trabalho do nosso país, sabe? É o caso do Júlio César, que está desempregado; da Camila, que está subocupada; e de todos os outros que estão na Força de Trabalho Potencial (a Maria, a Rafaela e o Marcelo). O que a PNAD faz é somar todas as pessoas que estão nessas três situações e as reunir nesse grupo de subutilizados.  Esse grupo representa a quantidade de pessoas ou mão de obra que não são utilizados no mercado de trabalho, por faltar uma ocupação adequada. Esse conceito foi incorporado após discussões em âmbito internacional junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), e é considerada a forma mais precisa para compreender um dos indicadores da precarização no mercado de trabalho. No 4º trimestre de 2020, cerca de 32 milhões de pessoas estavam nessa situação.


Ei gente, olha eu aqui novamente, o Juninho. Essa é a minha família e foi muito bom poder mostrar para vocês um pouco da nossa situação, que não está muito fácil, não é? Tá todo mundo ralando, já que só a minha irmã, Camila, e o tio Augusto estão trabalhando. Meu sonho é poder ir pra creche, assim, minha mãe pode voltar a trabalhar e eu posso estudar, afinal, também quero ter um emprego logo logo e, assim, conseguir dar uma força aqui em casa.


NOTAS

[1] Contribuíram diretamente para a redação desta análise Gisele Paiva Furieri, Luiz Carlos Santos, Luiza Giubert, Otavio Luis Barbosa, Patrícia Specimille e Ruth Stein Silva.
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BOLETIM N°63 | DEZEMBRO DE 2020

RECESSÃO E PANDEMIA: A CRISE CONSUMADA

 

O Boletim de Conjuntura em Economia da Ufes chega a sua 63ª edição no final de 2020. Seu formato segue a mesma estrutura da edição anterior, com quatro seções, a primeira com a análise do nível de atividade, política fiscal e setor externo, a segunda sobre a política monetária e inflação e a terceira tratando do mercado de trabalho. Completa o texto, a tradicional análise do economista Fabrício Oliveira, fazendo um balanço da política econômica no ano. Um anexo estatístico fecha o boletim.

Neste turbulento 2020, como não poderia ser diferente, os efeitos da pandemia de Covid-19, e das políticas sanitárias que visaram combatê-la, deram a tônica dos textos. Não é possível dizer, entretanto, que a crise que aparece em todos os indicadores econômicos e sociais seja propriamente causada pela pandemia. A economia nacional já andava de lado há pelo menos 4 anos, com taxas pífias de crescimento do produto e dificuldades de geração de emprego.

A catástrofe atual, desta forma, se sobrepôs a uma situação que já era preocupante. Em síntese é isso que aparece nas análises que seguem. A queda acumulada no PIB de janeiro a outubro de 2020 que atingiu 5%, com suas consequências tanto nas contas públicas quanto no mercado de trabalho, deixa a economia ainda mais longe da tão propagada recuperação. A manutenção de baixos índices de investimento reforça esta percepção.

Por sua vez, a inflação que se mantinha muito baixa, em face da estagnação econômica, dá sinais de alta, como resultado principalmente da depreciação cambial. Enquanto isso, o desemprego aumenta e milhares de pessoas são excluídas do mercado de trabalho por não conseguirem sequer procurar uma nova ocupação. Em sua maior parte, estas pessoas são exatamente aquelas que se encontravam nas ocupações mais precárias, as primeiras atingidas pela pandemia.

A despeito do respiro percebido nos últimos meses, o cenário não é dos melhores e, infelizmente, como aponta a análise de Fabrício Oliveira sobre a política econômica do governo Bolsonaro, o futuro próximo tampouco parece muito promissor.

Nós, professores e estudantes do Grupo de Conjuntura, convidamos a todas e todos para a leitura dos textos produzidos para a presente edição.

Boa leitura!
Grupo de Conjuntura

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RACISMO NAS ORGANIZAÇÕES: VIDA E TRABALHO NOS SUPERMECADOS

Patrícia Rocha Lemos
(Doutora em Ciências Sociais e pesquisadora do CESIT/Unicamp)

A crueldade e a brutalidade do assassinato de João Alberto, homem negro espancado até a morte, causam profunda indignação. Se ainda nos resta algum pingo de humanidade, assim devia ser. O acontecimento ter se dado às vésperas do Dia da Consciência Negra, data que tem exigido tantas lutas pra se manter, trouxe à tona uma das expressões mais extremas e dilacerantes do nosso racismo estrutural que, de forma criminosa, nossos governantes e autoridades insistem em negar. Mas, passado o efeito desse estarrecimento imediato, corre-se o risco de que a “normalidade” nos imponha outras urgências e que absurdos inaceitáveis venham a se sobrepor sem que sejamos capazes de criar as ferramentas para compreender, combater e transformar essa realidade. 

Parece ter sido assim com muitos dos acontecimentos dos últimos dias, meses e anos. Apesar disso, alguns suspiros de esperança se abrem a partir daqueles que se revoltam e dão voz a essa luta. Mulheres e homens interpelam o conjunto da sociedade clamando que vidas negras importam, e não é de hoje. Calar não é e não pode ser uma opção. Mas como, então, adicionar algum elemento diferente para além do que já vem sendo dito sobre os absurdos que se expressam nesse crime?

Das mais diversas perspectivas sobre as quais podemos discutir como chegamos até aqui, como permitimos que matassem João Alberto, penso que a única em que eu poderia ter algo a contribuir tem a ver com, não quando, nem como, mas onde e por quem João Alberto, ou Beto, foi assassinado. O genocídio da população negra já é de conhecimento público, recolocado a cada novo balanço estatístico, ano após ano. E não faltaram casos concretos de homens, mulheres e crianças cujas histórias foram contadas na TV na forma de tragédia. O que falta para enxergarmos que não se trata de exceções, de situações extremas episódicas, mas de realidades que estão sendo gestadas o tempo todo no dia a dia de nossas vidas? Foi pensando nisso que decidi me ater à pergunta: que outras faces do problema nos mostram as circunstâncias desse crime? Sob que outros olhares podemos entender a conivência de um conjunto de organizações que permitem que isso continue a acontecer? Aqui, estou me referindo ao fato de esse homem negro ter sido espancado até morrer por um segurança e um policial militar na loja de supermercado para a qual esses sujeitos prestavam serviço. 

Estudando nos últimos anos o que tem sido as transformações contemporâneas no segmento supermercadista e seus impactos sobre o trabalho, ao analisar o tipo de organização do trabalho e as estratégias de gestão que foram se difundindo, especialmente pelas grandes transnacionais varejistas, estou convencida de que esse fato não é mero acaso, mas o resultado de uma confluência de fatores que reforçam e legitimam os mais profundos alicerces do racismo. 

Essas organizações têm adotado cada vez mais políticas de estabelecimento de metas com pressões individuais e exposição de resultados de forma pública, vexatória e muitas vezes de humilhação. No caso da rede norte-americana Walmart, maior empresa em faturamento do mundo¹, práticas como essa, muitas vezes denominadas de “motivacionais”, geraram inúmeras ações na Justiça do Trabalho brasileira. Ainda que, em muitos casos, tente-se responsabilizar exclusivamente o indivíduo (gerente ou superior que praticou tal ato), quando olhamos para a política de gestão do trabalho dessas empresas, fica evidente que a lógica que fundamenta a sustentação das margens de lucro a qualquer custo quer dizer realmente “a qualquer custo”. Ou seja, mesmo que esse custo seja a vida de seus trabalhadores, dentre os quais, nem todos parecem ter o mesmo valor, a depender do sexo, gênero, raça, etnia, etc. O tom da denúncia de um desses processos dá a dimensão do que, infelizmente, é corriqueiro: “A chefe da frente de caixa costumava comentar que ‘isso só poderia ser coisa da cor’ e que tiraria ‘todos os pretinhos da frente de caixa’, fechas as aspas. Além de fazer gestos preconceituosos”². 

Esse tipo de assédio e de crime, na sua maioria, não são denunciados, como apontam os relatos que ouvi durante a pesquisa. São raros os casos como o de Shana Ragland, que ficou conhecida pelo vídeo em que se demite da empresa denunciando o assédio e o racismo de gerentes e outros trabalhadores em uma loja do Walmart nos Estados Unidos³. Também nunca testemunhei um relato em que gerentes que assediavam e humilhavam seus subordinados e subordinadas tivesse tido algum tipo de punição pela empresa. Ao contrário: diante de um caso de abuso de autoridade e assédio sexual, depois da ação de um conjunto de mulheres, a cúpula de diferentes níveis da gerência do supermercado, todos homens, acharam por bem transferir o indivíduo assediador para um outro local de trabalho. Essas e outras histórias só reafirmam o que um dos meus entrevistados, trabalhador de supermercado, disse, a partir da sua experiência, sobre como a empresa lida com essas práticas: “se eu tô dando resultado, eu sirvo. Independente das besteiras que eu faço. Que a empresa já tem um jurídico pra salvar, pra tá atuando. Então, se a loja que eu tô dirigindo tá dando lucro, pouco importa as besteiras que eu faço”.

É nesse cenário que, não à toa, muitos entrevistados diziam que o trabalho em supermercados é um tipo de regime de trabalho escravo: horas extras não pagas, a negação de direitos básicos (como a dispensa pra ir no banheiro), a descartabilidade dos que apresentam doenças ou limitações e as recorrentes práticas de assédio e humilhação. Em um país assolado pelo desemprego e pela falta de alternativas de empregos menos precários, perpetuamos a nossa herança escravista de modo muito mais vivo do que se supõe, e que se evidencia na própria percepção dos trabalhadores. 

Então, se essa é a vivência dos empregados diretos dessas redes de supermercados, o que se pode dizer da atividade desempenhada por aqueles que prestam serviços que foram “externalizados”? Se essas empresas não implementam uma política de respeito à vida e aos direitos humanos mais fundamentais entre aqueles que são de sua responsabilidade direta, o que se pode esperar dos serviços terceirizados? Não é precisamente essa “isenção” um dos motivos que torna a terceirização “atrativa” para essas grandes empresas?

Há pouco mais de três meses, em um supermercado da mesma rede Carrefour, mas na cidade do Recife, Moisés Dias morreu de mau-súbito enquanto trabalhava como promotor de produtos alimentícios. Seu corpo foi coberto com guarda-sóis e a loja continuou a funcionar. A imagem estarrecedora da foto que circulou pelas redes sociais já estampava a prevalência de relações de trabalho completamente desumanas. Moisés era empregado como promotor de vendas, uma das ocupações mais significativas no setor, mas que também é parte desse processo de terceirização, ou seja, em que parte das atividades anteriormente exercidas por empregados dos supermercados passaram a ser de responsabilidade de fornecedores ou contratados por empresas de intermediação de mão de obra. 

Na dinâmica da terceirização, assim como os fornecedores de produtos aos supermercados, também as empresas de segurança privada sabem que é a “empresa contratante” que define a política e estabelece as exigências do serviço a ser prestado. É a chamada empresa principal, no caso, a direção do supermercado, que define qual o tipo de serviço, o foco da abordagem e as orientações de como ela deve ser realizada. Não quero com isso dizer que Beto foi assassinado a mando do supermercado. Contudo, em um segmento em que a margem de lucro é pequena e se dá pela grande quantidade de produtos vendidos, a obsessão pela redução das “perdas” significa passe livre para um conjunto de violações. Lembro que me chamou a atenção durante a pesquisa com processos do Tribunal Superior do Trabalho as denúncias de revista feita em pertences e armários de trabalhadores sem o seu conhecimento e que foram entendidas como de direito do empregador. Essa mesma política de “prevenção de perdas” no Walmart dos EUA deixava produtos de cabelos para negros separados e trancados em suas lojas.

A política criminosa do Carrefour de “fazer vista grossa” a essas práticas já se mostrou em vários outros episódios. Talvez o assassinato de Beto viesse a ser apenas mais um se não houvesse um vídeo para escancarar que não há explicação possível que justifique o ato brutal daqueles seguranças e a conivência de quem o presenciou. Em 2009, Januário, homem negro, foi espancado por seguranças de uma empresa terceirizada de uma loja do Carrefour em Osasco depois de ser acusado de estar tentando roubar o próprio carro. Na época, a direção do supermercado afastou da função o segurança responsável pela agressão. Agora, com a mobilização social e a repercussão do caso mais recente, somadas às similaridades com tantos outros casos de assassinato por forças policiais que impulsionaram revoltas nos EUA nesse ano, outros casos sobre esse tipo de prática e abuso vem à tona

Diante disso, se combinamos essas políticas das redes varejistas com a lógica de organização e treinamento das empresas de segurança privada, permeadas de várias maneiras pela atuação de agentes públicos da estrutura militar, o que temos são práticas que se sustentam por décadas: de abordagem e constrangimento de clientes negros, de atuação ofensiva e violenta, reprodução dos preconceitos e violações de direitos de todo tipo. É nessa articulação que “fazer vista grossa” por parte do supermercado é parte da conduta da gestão quando o que realmente importa é ter em contrapartida os “resultados esperados”. Com isso, uma diretriz de gestão se transforma facilmente em passe livre para o cometimento de crimes e atrocidades de todo tipo. Isso porque, como em inúmeros outros casos, o perpetrador do crime age sustentado na crença de que aquilo faz parte do seu trabalho, é a atitude esperada da sua posição e que não só estará isento de punições como, muitas vezes, vai ser reconhecido por agir em defesa dos interesses da empresa (ainda que nos bastidores). 

Se essa é uma política adotada para seus próprios empregados, o que esperar da ação diante daqueles que não se enquadram no perfil de “cliente”? O racismo nessas abordagens já é de longe nosso conhecido. Quem nunca viu um homem negro ser vigiado ou abordado por seguranças de supermercado? Não é coincidência que o critério é o mesmo utilizado pelas nossas polícias. Sem entrar na discussão sobre política de segurança e a estrutura dessas empresas de segurança privada, gostaria de ressaltar que, o “tipo de serviço” oferecido por essas empresas corresponde ao que lhe é demandado, afinal, como já sabemos de décadas, “quem paga a banda, escolhe a música”. 

Portanto, sem minimizar o conjunto de outras medidas necessárias e do complexo de relações que nos trouxe até aqui, é inaceitável que não exista por parte do Estado mecanismos de responsabilização dessas organizações. É evidente que a pressão social tem gerado desgaste na imagem dessas marcas, o que impacta financeiramente essas corporações, mas isso é passageiro. Ao não comprar no Carrefour, compraremos em outra rede que talvez tenha práticas tanto ou mais condescendentes com o racismo e violações de direito de todo o tipo. Só isso não é suficiente.

Ao permitirmos a continuidade de um governo que nega a existência do racismo e condena a revolta legítima e necessária de uma sociedade que não pode mais conviver com o extermínio de sua população preta, pobre, indígena… estamos dizendo que sim, podemos aceitar que existam outros “Betos” contanto que não sejam os “nossos”. Não é possível avançar na luta contra o racismo sob um governo que não apenas descontrói os direitos básicos de sua população e seu acesso à justiça, como atua sistematicamente para lhes negar o direito de existir.

O pronunciamento de alguns dos grandes fornecedores do Carrefour tem uma importância ao menos simbólica, mas ainda nos coloca longe de um modelo de negócios que coloque a vida acima dos lucros. Também é relevante que a rede varejista de origem francesa tenha decidido destinar 25 milhões a um fundo de combate ao racismo no país. Mas, para além de uma estratégia que possa preservar ou recuperar a imagem da maior rede supermercadista do país, que medidas serão capazes de desconstruir a “ideologia corporativa” e o modelo de gestão do trabalho que perpetua o racismo no âmago mesmo dessas organizações? Como esse combate vai se expressar na política de contratação, treinamento e gestão de seus trabalhadores e na relação com seus consumidores, fornecedores e prestadores de serviço?

Enquanto não houver respostas convincentes a essas perguntas, o silêncio não é uma opção. Vidas negras importam e nosso grito vai continuar a ecoar até que sejamos ouvidos! 

NOTAS


[1] O regime de trabalho nessa rede foi objeto de minha tese de doutorado intitulada: “‘Custo baixo todo dia’: redes globais de produção e o regime de trabalho no Walmart Brasil”, defendida em maio de 2019 pelo programa em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas.
[2] Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/walmart-e-condenado-a-indenizar-trabalhadora-que-foi-vitima-de-atos-racistas-de-uma-gerente
[3] https://noticiapreta.com.br/nos-eua-funcionaria-se-demite-do-walmart-e-expoe-racismo-no-alto-falante-essa-empresa-trata-os-funcionarios-como-merda/
[4] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/18/homem-morre-e-tem-corpo-coberto-por-guarda-sois-em-carrefour-no-recife.htm.
[5] https://www.istoedinheiro.com.br/apos-polemica-walmart-diz-que-vai-deixar-de-trancar-produtos-para-negros/.  
[6] https://extra.globo.com/noticias/brasil/homem-negro-confundido-com-bandido-espancado-por-seguranca-de-supermercado-na-grande-sp-320091.html.
[7] Como o caso da mulher que foi espancada e estuprada por seguranças e casal vítima de homofobia> Sobre isso ver: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/11/juiza-e-defensor-relatam-que-mulher-negra-foi-estuprada-e-torturada-em-carrefour-no-rio-entre-2017-e-2018.shtml; e https://noticias.uol.com.br/colunas/rogerio-gentile/2020/11/23/carrefour-e-condenado-por-agressao-de-segurancas-a-casal-homossexual.htm.
[8] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/11/doze-fornecedores-do-carrefour-anunciam-alianca-em-defesa-da-diversidade-racial.shtml.
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