Pesquisa: Mapeamento e análise de aspectos basilares de cursos de Letras-Inglês ofertados por instituições públicas no Brasil: Um Olhar sobre Similaridades, Particularidades Regionais e Divergências

Prof.ª Drª Christine Sant´Anna de Almeida

Os cursos de Letras/Inglês em nível de graduação oferecidos pelas instituições de ensino públicas brasileiras

Source: kindpng.com

INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO

A formação de professores de língua inglesa é uma área de estudo em constante movimento e adaptações. Sendo o Brasil um país de proporções físicas continentais, é natural pensarmos que os cursos em nível de graduação que são oferecidos apresentem suas peculiaridades e relevâncias. A partir da consideração de que é necessário e produtivo o registro do cenário formativo dos docentes de língua inglesa oferecido no país, realizei este estudo de mapeamento e análise de alguns aspectos basilares dos cursos, a fim de identificar similaridades, particularidades regionais e divergências.

Estudos que contam com mapeamento de informações têm sua relevância justificada por proporcionarem uma visão ampla do cenário que é investigado e, por conseguinte, oportunizarem a identificação de elementos individuais que compõem o contexto, bem como a possibilidade de conhecimento de características e potencialidades básicas de tais componentes.

Ao referir-me à formação1, acompanho a compreensão atribuída ao vocábulo na língua
portuguesa trazida por Houaiss e Villar (2008, p. 356): “um conjunto dos cursos concluídos e graus obtidos por uma pessoa”. Na Linguística Aplicada, doravante LA, área de estudo na qual este trabalho de pesquisa se insere, me desafia e motiva a ideia de que a formação de professores de línguas em nosso país é um tema que pode abarcar diversos estudos, com diferentes focos que visam contribuir para um maior e melhor entendimento desse fenômeno (Mattos, 2000).

Me apoio em Almeida Filho (1997) ao entender que a formação de professores de línguas estrangeiras no Brasil se constitui por meio de um processo constituído basicamente de três categorias: básica inicial ou de certificação; especializada e pós-graduada; e continuada extensionista. Me atenho à categoria inicial, a formação básica inicial ou de certificação, que vem a ser o foco deste trabalho: é aquela obtida ao final do curso de graduação de licenciatura em Letras. Esse curso, em geral, dura quatro anos e acontece de forma presencial2 nas Instituições de Educação Superior (doravante IES). Nos ensina a Resolução CNE/CP nº 2/2015, a qual regula quanto às diretrizes curriculares para os cursos de formação inicial em nível superior (Brasil, 2015), que as oportunidades formativas iniciais da licenciatura abarcam três diferentes propostas de cursos: os de graduação de licenciatura propriamente ditos, os de formação pedagógica para graduados não licenciados, e os de segunda licenciatura.

Ainda, a mesma Resolução, em seu Artigo 3º, estabelece que a formação inicial de um docente tem como objetivo:

[…] preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica em suas etapas – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades – educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo,
educação escolar quilombola e educação a distância – a partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, visando assegurar a produção e difusão de conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração e implementação do projeto político-pedagógico da instituição, na perspectiva de garantir, com qualidade, os direitos e objetivos de aprendizagem e o seu desenvolvimento, a gestão democrática e a avaliação institucional. (Brasil, 2015, p.2-3)

Tal estágio formativo também é conhecido na literatura da área como formação pré-serviço,
tendo em vista que há a expectativa de que somente após essa certificação, a atuação profissional de forma autônoma e não supervisionada comece a acontecer – apesar de nossa realidade (falo aqui como docente de tal curso) demonstrar que muitos de nossos graduandos já se encontram inseridos no mercado de trabalho ensinando inglês. Muitas das vezes, esses alunos-professores recebem o título de instrutores e não professores já que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996) não permite o registro de professor se a pessoa não detiver o título de licenciado.

Não há como negar que várias têm sido as adaptações (para melhor dialogarem com o estilo de vida e exigências de nossos tempos) que os cursos de formação inicial de professores de línguas estrangeiras vêm sofrendo ao longo dos anos. Cursos superiores eram ofertados, em tempo não muito distante, dentro de um modelo presencial de ensino e pensado como sendo o primeiro, e muitas vezes o único, curso universitário de uma pessoa. Inquestionável reconhecermos a proliferação da oferta de cursos superiores à distância ou híbridos no cenário brasileiro. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2021 (Inep, 2022), do qual constam informações na década 2011-2021, houve um crescimento próximo a 500% nessa modalidade de ensino no período investigado. Tal aumento está intimamente ligado ao aprimoramento das tecnologias de informação e comunicação e muitas vezes melhor se adequam à vida dos que neles procuram sua titulação para atuarem como professores licenciados de inglês. Uma segunda mudança está associada a diferentes possibilidades de efetivação da licenciatura: além da tradicional formação por meio da primeira licenciatura, temos agora opções de titulação por meio de uma segunda licenciatura ou por meio da modalidade formação/complementação pedagógica. Em ambas novas opções, a duração do curso é menor (via de regra, menos da metade da duração de uma primeira licenciatura), seja porque o discente já teve acesso a disciplinas pedagógicas em virtude de ter cursado uma outra licenciatura e precisa focar nas disciplinas ligadas à língua/literatura em inglês; ou porque já teve acesso a um outro curso superior, tem domínio da língua estrangeira em questão e precisa focar no desenvolvimento pedagógico, essencial à licenciatura.

Quando voltamos nosso olhar especificamente para a formação de professores de inglês no
Brasil, um cenário constantemente veiculado é que a formação de professores brasileiros “carece de qualidade” (Mateus, 2002, p. 8); e estudos realizados no Brasil, dentro da área da LA, apontam para a ineficiência dos cursos de formação de professores (Marques, 2000). Nos dias de hoje, os veículos de comunicação frequentemente (re)afirmam a baixa qualidade tanto do ensino de inglês nas escolas regulares quanto dos professores que essa língua ensinam. Ora é um blog de educação
3, em julho de 2021, que traça conjecturas e análises sobre o ensino da língua nas escolas públicas brasileiras; ora é a ‘Folha de São Paulo’4, o segundo maior jornal de circulação no país, afirmando, em setembro de 2021, que mais de 70% dos alunos brasileiros têm aulas de inglês com professor sem formação adequada; ou ora é uma franquia de curso de idiomas5 (s/d) que destaca a falta de qualificação dos professores de inglês de uma rede pública de ensino.

Ainda assim, a formação do professor brasileiro vem a ser uma das principais questões de nossa época (D´Ambrosio, 1998; Feldens, 1998; Freitas, 1999; Alves, 2001). Para Santos (2002, p. 89), a produção acadêmica nesse sentido tem “sido invadida por novas questões que derrubam velhos pilares, consagram novas verdades e delimitam novos problemas para a pesquisa”. Feldens (1998, p. 129) relata que, dos estudos por ela analisados nas áreas de ensino e de formação de professores no Brasil, uma das mais sérias dificuldades enfrentadas na educação brasileira está diretamente relacionada ao “fracasso das instituições formadoras em educar e preparar professores para as realidades e culturas com as quais deverão lidar…”.

Nos moldes atuais de ensino, é a abordagem macro que assume um papel orientador, porque “concebe a preparação do professor como educação e objetiva o esclarecimento e a elucidação de conceitos e processos que guiam o professor” (Richards, 1990, p. 14, grifo do autor). Nunan (1990) expande um pouco essa perspectiva, ao apontar que um dos objetivos primários da educação de um professor é dar a ele meios para explorar sua própria sala de aula. Um programa de preparação/aperfeiçoamento de professores deveria ter dois objetivos centrais, na opinião de Pennington (1990), e com os quais comungo: gerar uma atitude favorável ao crescimento e à mudança contínuos, e oferecer as habilidades necessárias para que os professores em processo formativo possam analisar e avaliar seu desempenho. Acompanho e enalteço o pensamento de Brito e Ribas (2018, p. 246), ao defenderem ser um dos fundamentos do processo formativo de docentes de línguas a indispensável necessidade de serem criadas, ao longo do curso de graduação, oportunidades para os licenciandos “aprenderem de forma experiencial”; isto é, serem expostos e vivenciarem situações que bem possivelmente farão parte de seu cotidiano profissional. Em um país de tamanha diversidade de contextos de ensino da língua inglesa, nada mais apropriado.

Richards (1990) direciona nossa atenção a mudanças que se fazem necessárias na preparação inicial e no aprimoramento de professores, que envolvem a alteração de papéis: a mudança do papel do futuro professor e a mudança do papel do educador de professores. O primeiro deve adotar uma postura de aprendiz autônomo e pesquisador, e o segundo deve ir além de seu papel de treinador, guiando seus alunos no processo de gerar e testar hipóteses e de usar o conhecimento já adquirido como base para seu desenvolvimento. Essa interação do futuro professor com o educador é um elo crucial para o desenvolvimento dos profissionais. Esse relacionamento tem como primeiro propósito que alunos-professores “desenvolvam, pratiquem e refinem sua competência enquanto professores de uma língua” (Freeman, 1990, p. 103), ou, ainda, que eles “alterem seu comportamento de ensino” (Gebhard, 1990, p. 118).

Há não muito tempo, entre maio de julho do ano de 2022, realizei um estudo durante Licença para Capacitação, mapeando oportunidades de formação que estavam sendo oferecidas no estado do Espírito Santo – em nível de graduação, de pós-graduação e de extensão (Almeida, 2022). Ao mapear as diferentes instituições de ensino, quase que automaticamente, vi minha curiosidade sendo aguçada para ter uma visão mais ampla do cenário formativo para professores de inglês em nível nacional. Sendo praticamente impossível contemplar todas as categorias formativas (Almeida Filho, 1997), optei, para o presente estudo, investigar, nas instituições públicas de ensino superior, as características básicas de um curso de graduação que prepare novos professores de língua inglesa. Tais características são: duração (em anos ou semestres letivos), formato de ensino (presencial, online, híbrido), tipo de habilitação (simples ou dupla), público que pretende atingir (primeira/segunda licenciatura, formação/complementação pedagógica), forma de ingresso (vestibular, SiSU, Prouni), e a verificação de componentes curriculares que se mostram mais diretamente associados ao aprimoramento da língua inglesa e ao desenvolvimento pedagógico do futuro professor – os dois pilares primordiais do processo formativo de um docente dessa língua estrangeira.

Ainda, também a partir do estudo anterior acima indicado (Almeida, 2022), me senti instigada a, ao mapear os cursos de graduação ofertados, verificar se, em geral, o tradicional modelo oferecido pela UFES, minha instituição de formação e de atuação profissional – licenciatura plena em 4 anos, modelo presencial, habilitação simples em língua inglesa, destinada ao público em geral como primeira licenciatura, ingresso por meio do Enem/SiSU, com, ao meu ver, poucas disciplinas de cunho obrigatório ligadas unicamente ao desenvolvimento da proficiência da língua estrangeira, mas com vários componentes curriculares ligados ao aprimoramento de práticas pedagógicas – é o mais comum dentre as outras instituições.

É proposta desta pesquisa tornar menos escassa a produção de conhecimento em torno da
formação de professores de língua inglesa ofertada pelas instituições públicas de ensino
superior. A valorização da memória para uma melhor e mais ampla compreensão da história local desempenha papel importante na medida em que contempla pesquisa e reflexão da relação construída ao longo do tempo por meio dos sujeitos históricos e das relações que se estabelecem entre os grupos em diferentes tempos e espaços. Isto é, para além do registro da memória e do mapeamento das oportunidades formativas pelas IES públicas, espero que este estudo oportunize a possibilidade de autorreflexão sobre a formação que tem sido oferecida aos (futuros) professores de língua inglesa no Brasil. Uma última expectativa que nutro em relação a esta pesquisa é o fato de a planilha que apresenta a compilação de dados levantados possa a vir ser ferramenta de consulta não apenas de pesquisadores, mas também de pessoas que se interessem pela graduação em voga, e que possam, a partir de suas informações, aumentarem seu conhecimento sobre o curso. Por esses elementos acima expostos, tendo em horizonte o desejo de contribuir com a qualidade da formação brasileira de docente de língua inglesa, considero relevante ter a experiência de estudar e documentar a formação desses professores ofertadas pelas instituições de ensino superior públicas de nosso país.

Quer saber como ficou o resultado da pesquisa? Baixe o pdf do artigo para continuar a leitura e descobrir todos os detalhes!

  1. Opto por destacar alguns termos em itálico ao longo do texto, indo além da exigência normativa de seu uso em vocábulos estrangeiros, com a finalidade de evidenciá-los, atribuindo-lhes uma diferenciada importância em função da ênfase que estou dando a sua interpretação neste momento. ↩︎
  2. À época da publicação do artigo de Almeida Filho, 1997, a esmagadora maioria dos cursos de graduação acontecia no formato presencial. Nos dias de hoje, as modalidades de ensino comuns aos cursos de graduação são: presencial, online e híbrida. ↩︎
  3. Disponível em <Ensino de inglês no Brasil: um desafio a ser superado (flexge.com) >. Acesso: janeiro 2024. ↩︎
  4. Disponível em <Mais de 70% dos alunos brasileiros têm aula de inglês com professor sem formação adequada – 22/09/2021 – Educação – Folha (uol.com.br). Acesso: janeiro 2024. ↩︎
  5. 5 Disponível em <Blog CNA – Levantamento destaca a falta de qualificação dos professores de inglês da rede estadual de São Paulo >. Acesso: janeiro 2024. ↩︎

Essa pesquisa foi realizada pela Prof.ª Drª Christine Sant´Anna de Almeida, docente do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. Este projeto ‘Educação linguística: compartilhando saberes e práticas’ (registro na PROEX nº 3666), tem o objetivo de trazer visibilidade para os trabalhos, projetos e pesquisas desenvolvidos no curso de Letras-Inglês da UFES.

Sobre Marianna Cardoso Reis Merlo

Este blog compartilha recursos e conhecimentos elaborados pelos alunos do curso de Letras-Inglês da UFES em suas atividades de extensão. O blog é administrado pela Prof. Marianna Merlo, docente do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente, a Prof. Marianna se dedica a pesquisas na área de Linguística Aplicada, mais especificamente sobre os seguintes temas: autoetnografias, formação de educadores, desenvolvimento de material didático e educação de língua inglesa para/com crianças. Seu currículo pode ser acessado em: http://lattes.cnpq.br/0414596374411348
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