A descoberta do Sistema Ubiquitina-Proteassoma [Parte I]

Já postei aqui um texto meu sobre o sistema ubiquitina-proteassoma a um tempo atrás. Agora vou postar a primeira parte do artigo publicado pela professora Dra Marilene Demasi, do Instituto Butantan, publicado na revista Química Nova na Escola logo após os pesquisadores que desvendaram o funcionamento deste sistema receberam o prêmio Nobel de Química em 2004. Espero que gostem.

Prêmio Nobel de Química 2004: Proteólise ATP-Dependente de Proteínas Marcadas com Ubiquitina

A primeira referência à degradação intracelular de proteínas foi feita por Schoenheimer em 1942, que, através de marcação radioisotópica, demonstrou que proteínas são constantemente sintetizadas e desmontadas. A partir de então, várias proteases envolvidas na degradação protéica não-dependente de energia foram descritas. Uma das primeiras a ser amplamente estudada foi a tripsina, na luz intestinal, responsável pela catálise da hidrólise de proteínas ingeridas na dieta alimentar (proteólise extracelular).

O processo intracelular de degradação protéica dependente de energia, captada na forma de ATP, foi descrito pela primeira vez por Sympson em 1953 e retomado por Hershko em 1971. Este pesquisador, durante um estágio de pós-doutoramento no laboratório de Gordon Tomkins, na Universidade da Califórnia, em São Francisco, publicou um trabalho realizado com cultura de células hepáticas, mostrando que a degradação intracelular da enzima tirosina aminotransferase era um processo dependente de ATP . Na época, o fato de que a degradação de proteínas pudesse consumir energia era paradoxal, uma vez que a proteólise é uma reação de hidrólise e, portanto, um processo exotérmico. Hershko, no entanto, insistiu nessa investigação exatamente pela aparente contradição. Suas conclusões nesse trabalho, que foi considerado um marco para investigações posteriores, convergiam para a possibilidade da existência de um processo proteolítico mais complexo do que aqueles conhecidos até então. Concluiu afirmando que: “Esta dependência por ATP para a degradação protéica intracelular parece ser incompatível com um mecanismo proteolítico simples e sugere que o processo seja de múltiplas etapas… Pode ser que o ATP esteja diretamente envolvido na modificação da proteína antes de sua degradação ou na formação de um metabólito intermediário”.

Um importante avanço nos estudos da proteólise ATP-dependente foi o modelo experimental publicado por Etlinger e Goldberg, em 1977, utilizando lisado de reticulócitos de coelho. Lisado é o material citoplasmático obtido experimentalmente pelo rompimento mecânico de células e posterior centrifugação para se obter a fração solúvel do citoplasma celular. Esse sistema levantou a possibilidade de se poder distinguir a atividade proteolítica lisossomal da não-lisossomal. O lisossoma é o compartimento intracelular responsável pela degradação de inúmeras macromoléculas, incluindo proteínas extracelulares, que são trazidas para o interior das células pelo processo de endocitose, além de proteínas de membranas e proteínas intracelulares de vida média longa. Um exemplo de proteína com vida longa é a hemoglobina: aproximadamente 110 dias. No modelo de estudo proteolítico com lisado de eritrócitos foi possível a diferenciação entre atividade proteolítica não-lisossomal e lisossomal, uma vez que as enzimas lisossomais têm atividade proteolítica em pH ácido, sendo que a atividade ATP-dependente, então descrita, possuía atividade ótima em pH ligeiramente alcalino, nominalmente 7,8.

Foi a partir de então, entre o final da década de 70 e início da de 80, que Ciechanover, Hershko e Rose desenvolveram uma série de estudos que culminaram com a elucidação do mecanismo de proteólise dependente de ATP e da ubiquitina. Os encontros que mantiveram e o trabalho realizado em conjunto foram possíveis graças a uma série de estágios sabáticos de Ciechanover e Hershko no laboratório de Rose, na Pensilvânia (EUA).

Aaron Ciechanover

Nascido em 1947 na cidade de Haifa, Israel, foi aluno de doutorado (1981) de Avram Hershko, na área de Medicina, no Instituto de Tecnologia de Israel (Technion), em Haifa. Atualmente é professor de Bioquímica do Instituto de Pesquisas em Ciências Médicas Família Rappaport do Technion. Em 2000, já recebera, juntamente com Hershko, o Prêmio Albert Lasker para Pesquisa Médica Básica; em 2003, foi-lhe outorgado o Prêmio Israel.
Avram Hershko

Nascido em 1937 em Karcag, na Hungria, emigrou para Israel em 1950 e hoje é cidadão israelense. Doutorou-se em 1969 pela Universidade Hebraica, em Jerusalém, sendo professor no mesmo centro de pesquisa onde atua Ciechanover. Em 1994, já recebera o Prêmio Israel e, em 2001, o Prêmio Wolf de Medicina.
Irwin Rose

Nascido em 1926 em Nova Iorque (EUA), doutorou-se em 1952 pela Universidade de Chicago. Foi professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, de 1953 a 1963, quando se mudou para o Centro Fox Chase para Câncer, na Filadélfia, do qual se aposentou em 1995. Atualmente é pesquisador emérito no Departamento de Fisiologia e Biofísica da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Irvine, Califórnia (EUA).





Texto de: Demasi e Bechara. Química Nova na Escola, n.20, p. 3-8, 2004.

Sobre Lucas Guimarães Ferreira

Professor do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo
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