Partindo do princípio de que o fenômeno que estavam observando dependia de uma proteína (protease) que efetuava a hidrólise do substratoalvo na presença de ATP, e que essa protease era parte integrante do conteúdo protéico do lisado de reticulócitos, esses pesquisadores aplicaram o lisado a uma coluna cromatográfica de Sepharose® DEAE com o objetivo de separar (isolar) essa protease desconhecida. Duas das frações obtidas nesse processo, quando eram misturadas, reconstituíam a proteólise ATPdependente. No entanto, quando testadas separadamente não apresentavam atividade. Continuando a purificação das proteínas contidas em cada uma dessas frações, eles isolaram uma proteína termoestável de massa molecular 9000 u. Essa proteína foi identificada como um componente ativo para que ocorresse proteólise ATP-dependente. Quando essa proteína era adicionada à outra fração ocorria proteólise, porém nunca na sua ausência. Denominaram essa proteína de APF-1 (Active Principle of Fraction 1). Ela foi identificada em 1980 como sendo a ubiquitina que já havia sido descrita anteriormente, porém desconhecia-se sua atividade. Rapidamente, verificou-se que a molécula dessa proteína tinha 76 resíduos de aminoácidos e era altamente conservada nas células eucarióticas, sendo essencialmente idêntica em organismos tão distintos como uma levedura ou uma vaca.
Continuando o fracionamento por técnica cromatográfica, conseguiram identificar uma fração que continha as enzimas tiólicas E1 e E2 e a enzima E3 e, numa outra fração, identificaram uma proteína de alta massa molecular, também essencial para a atividade que haviam descrito. Muito provavelmente essa proteína era a protease que buscavam. No entanto, foi somente 10 anos mais tarde que ela foi identificada por outros investigadores como sendo o proteassoma, na verdade um complexo protéico de alta massa molecular capaz de reconhecer e catalisar a hidrólise de proteínas marcadas com cauda de ubiquitina. Os experimentos escritos acima e as conclusões a que chegaram estão descritos em publicações de 1978 e 1979 (Ciechanover et al., 1978; Hershko et al., 1979).
Ciechanover, Hershko e Rose continuaram buscando os elementos do processo de proteólise ATP-dependente, desviando-se daí em diante da protease e concentrando-se nos demais componentes do processo. Uma vez tendo purificado a ubiquitina (Ub), chamada de APF-1 até aquele momento, eles a marcaram com iodo radioativo (125I) e demonstraram inequivocamenteque inúmeras proteínas no lisado de reticulócitos estavam ligadas covalentemente à Ub. Logo em seguida, numa outra série de experimentos, fizeram marcação de três proteínas diferentes com 125I ao invés de marcar a Ub. Utilizando essas proteínas como substratos da proteólise, eles demonstraram que múltiplas unidades de Ub podiam conjugar-se com a proteína-alvo.
Essa seqüência de trabalhos (Ciechanover et al., 1980; Hershko et al.,1980) incluiu ainda uma série de detalhes sobre como é a ligação de Ub às proteínas-alvo e, também, antecipou a existência de uma enzima que remove da proteína-alvo a cauda de poliubiquitina. Entre 1981 e 1983, tendo já sido criada a hipótese sobre o sistema de marcação com Ub da proteólise ATPdependente, eles se dedicaram à elucidação completa do processo. Os trabalhos dessa época culminaram com a purificação e caracterização das três enzimas ubiquitinadoras (E1-E3) e elucidaram o mecanismo completo de marcação por Ub.
Os trabalhos desse período são ainda textos-referência para a descrição do sistema. Eles utilizaram protocolos experimentais bastante elegantes àquela época. Purificaram a enzima E1 por cromatografia de afinidade ligando a Ub covalentemente a uma coluna de Sepharose®. O lisado de reticulócitos era aplicado à coluna, sendo que a enzima E1 ficava retida na coluna por ligação à Ub; dessa maneira conseguiram purificar e demonstrar o tipo de ligação covalente entre Ub e E1. Utilizando-se de metodologia semelhante conseguiram purificar as duas outras enzimas: E2 e E3. Neste caso, usaram como estratégia eluições diferenciadas – lembrando que a eluição consiste na etapa cromatográfica que usa um solvente ou solução para retirar o material retido na coluna. Dessa maneira isolaram as três enzimas e demonstraram que E2 liga-se a E1 na coluna diferentemente de E3, que era eluída da coluna isoladamente. Todos esses passos estão descritos em publicações feitas por eles em 1981 e 1983 (Ciechanover et al., 1981; Hershko et al., 1983).
Implicações fisiológicas e patológicas
O processo de degradação de proteínas sinalizado por ubiquitina participa de inúmeros processos intracelulares muito importantes para a manutenção da homeostase ou da defesa celular. Alguns exemplos são enumerados a seguir.
Sistema imunológico
Alguns dos peptídeos gerados dentro da célula pelo sistema Ub-proteassoma são utilizados pela célula como antígenos de superfície celular e são reconhecidos pelos linfócitos T. Se esses peptídeos não forem produtos de uma proteína humana, os linfócitos T reconhecem o peptídeo na superfície celular como um antígeno, um componente estranho, e desencadeiam o processo que levará à destruição daquela célula. Esse mecanismo é muito importante em casos de infecção viral. Uma célula infectada com um vírus terá como produtos de hidrólise peptídeos originários de proteínas virais que serão reconhecidos pelos linfócitos T como estranhos ao organismo e, portanto, a célula será destruída, evitando a continuidade da replicação viral.
Resposta inflamatória
As células possuem proteínas denominadas fatores de transcrição. Essas proteínas se ligam ao DNA e induzem a transcrição de determinados genes. Um desses fatores de transcrição, denominado NFkB, localiza-se no citoplasma associado a uma proteína que inibe sua atividade
junto ao DNA. Quando a célula é infectada por uma bactéria, esse inibidor sofre uma alteração estrutural, é ubiquitinado e degradado pelo proteassoma. Dessa maneira a proteína NFkB fica livre e desloca-se para o núcleo, desencadeando a transcrição de inúmeros genes relacionados à resposta inflamatória que se constitui em um processo vital de defesa.
Terapêutica anti-tumoral
Inibidores do proteassoma ou da ubiquitinação protéica estão prestes a serem introduzidos na terapêutica anti-tumoral. Essa estratégia se baseia no fato de que a inibição irreversível do sistema Ub-proteassoma leva a célula à morte celular programada – apoptose -, muito desejável em se tratando de células tumorais, pois impede que elas proliferem.
Referências bibliográficas
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HERSHKO, A.; HELLER, H.; ELIAS, S. e CIECHANOVER, A. Components of ubiquitin-protein ligase system. J. Biol. Chem., v. 258, p. 8206-8214, 1983.
Texto de: Demasi e Bechara. Química Nova na Escola, n.20, p. 3-8, 2004.