Por Profª Drª Neide César Vargas (Coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Conjuntura/Economia/UFES)
A reforma ministerial empreendida pelo presidente eleito Jair Bolsonaro já nos permite visualizar o perfil do novo governo e as principais mudanças que deverão ocorrer.
Deve-se pontuar que tal reforma opera muito mais no sentido de mostrar o que será prioridade na condução do novo governo do que efetivamente leva a uma economia de recursos. O projeto inicial era reduzir de 29 para 15 ministérios. Não obstante, em função das negociações políticas com sua base de apoio, chegou-se ao número de 22 ministérios.
Uma apreciação global da reforma ministerial nos evidencia que a mesma busca romper com a lógica tradicional do sistema político brasileiro desde o fim da ditadura militar em 1985, o chamado presidencialismo de coalizão. Esse envolvia a divisão de ministérios e cargos para garantir a sustentação política do Executivo no âmbito da relação com o Legislativo. Distintamente, no caso atual, os partidos e suas lideranças de maior destaque não estão aí representados. Partidos que contam com ministros o fazem muito mais pela relação dos mesmos com grupos de interesse do que pela questão partidária em si, caso do DEM, do PSL, do MDB. Não se sabe se isso se manterá a partir do segundo escalão, mas, por enquanto, os ministros parecem estar tendo amplos poderes para escolher os seus subordinados.
Além desse aspecto mais geral, podemos identificar quatro características desse ministério: significativa presença militar combinada com nome de penetração popular, área econômica forte e de perfil ultraliberal, inserção internacional alinhada aos EUA e às políticas externas de Trump e, por fim, esvaziamento das questões identitárias, da educação pública e da pasta de Ciência e Tecnologia.
O peso dos militares no governo Bolsonaro não tem precedentes em governos pós ditadura militar. Além do vice-presidente, general da reserva, totalizam cinco ministérios em mãos de militares. O perfil vai de áreas mais de segurança e defesa, como o Gabinete de segurança institucional, a secretaria de governo e o ministério da defesa, a áreas mais econômicas, como o ministério das Minas e Energias. As duas estatais de maior importância, Petrobrás e Eletrobrás, estão nesta pasta e a sinalização do governo parece ser privatizar as áreas de apoio e manter a propriedade estatal na
atividade central. Arriscaria dizer que estará na área energética a atuação mais intervencionista do governo Bolsonaro, com ênfase na energia nuclear.
Agrega-se aos militares o peso significativo do Ministério da Justiça e Segurança Pública e a presença do Juiz Moro, estrela que tende a ofuscar o presidente e concentrar poderes que podem criar mecanismos de pressão sobre os políticos. Tendo subordinado a si dois antigos ministérios a agregando também o COAF, colocam informações e instrumento de ação coercitiva relevantes num ministério de peso.
A área econômica, por outro lado, passa a agregar a Fazenda, o planejamento e a indústria e comércio, num modelo de superministério também adotado, diga-se de
passagem sem sucesso, por Collor de Mello em 1990. O seu perfil liberal, na linha da Escola de Chicago, traz ao poder uma visão econômica implantada nos países centrais nos anos 80 e no resto do mundo até meados dos 90. Essa visão identifica na privatização e na redução do tamanho do Estado a saída para quase todos os problemas do governo. Também os escolhidos para presidência do Banco Central, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, adotam essa mesma linha de pensamento.
Tendo como um de seus focos o ajuste fiscal a área econômica coloca a reforma da previdência na ordem do dia, a despeito das posições desencontradas sobre o tema da parte do presidente e seus principais porta vozes. A recusa do projeto já em tramitação e a declaração de Bolsonaro de fragmentar a reforma não trazem luz o suficiente para sabermos qual será exatamente o perfil da reforma pretendida.
Complementa o núcleo duro da área econômica os Ministérios da Agricultura, sob controle do agronegócio, o Ministério do Meio Ambiente, na mão de um técnico que defende flexibilizações no plano da legislação ambiental e o Ministério da Infraestrutura, subordinado a um técnico formado no IME. A característica comum a todos os ministérios econômicos é a visão de retirar o que se considera serem amarras ao crescimento econômico. A outra face dessa visão é a extinção do Ministério do
Trabalho e o anúncio de um aprofundamento da flexibilização do mercado de trabalho no país. O modelo de crescimento que o governo parece ter em mente baseia-se numa lógica com baixa preocupação com a questão de direitos trabalhistas e ambientais, vistos como travas a serem ultrapassadas.
Na política externa, distintamente, manifestam-se certas contradições com a área econômica com uma visão relações exteriores atravessada por vetos político/ideológicos a países comunistas (especialmente a China) bem como uma partidarização em favor de
Israel no caso do Oriente Médio que tende a gerar fortes efeitos no comércio exterior brasileiro. Coerente com o esvaziamento interno da questão ambiental e a posição do
novo ministro das relações exteriores o Brasil também abre mão de seu protagonismo internacional na área. O alinhamento aos EUA retoma de maneira extremada e explícita a posição adotada pelo país desde fins do século XIX, esvaziando a participação do Brasil nos chamados fóruns Sul-Sul, notadamente BRICS e Mercosul, e em fóruns ambientais e humanitários.
Por fim, no campo da formação e da C&T, a agregação dos ministérios dos direitos humanos e da mulher com o do Desenvolvimento Social e sua subordinação a uma
ministra que representa o pensamento religioso e conservador no país sinaliza que esse vai ser um campo de desmonte de políticas. O confronto explícito com as bandeiras identitárias e a pressão por aprovação da lei que visaria implantar a ideia da Escola sem partido coloca as políticas sociais, notadamente a assistência social e a educação, na linha de tiro. Pelo perfil da ministra o objetivo parece ser criar uma cortina de fumaça
para entreter parcela do eleitorado bolsonarista mais conservador além de ocupar as atenções e esforços de eventuais opositores ao governo. A Ciência e Tecnologia, longe de se preocupar com os atores de peso na área, grande parte deles acadêmicos, fica na mão de um astro de apelo popular, o astronauta brasileiro. Seu perfil segue o anterior, distante tanto de políticos quanto de técnicos, mas sem peso político efetivo para disputar recursos e políticas de relevância para o país.