Mecanismo de Captação de Creatina pelo Músculo Esquelético

Como os principais tecidos não são capazes de produzir a creatina (Cr), eles dependem de uma proteína para realizar o seu transporte do meio extracelular para o interior das células, o que ocorre contra um gradiente de concentração. Esta proteína foi identificada e denominada de CreaT, sendo caracterizadas duas isoformas da mesma: o CreaT1 e o CreaT2. Eles pertencem a uma família de transportadores de neurotransmissores dependentes de Na+/Cl-, denominada SLC6, ou solute carrier family 6 (GUIMBAL e KILIMANN., 1993). O CreaT2 (SLC6A10 – solute carrier family 6, member 10) é expresso apenas nos testículos, de modo que o CreaT1 (SLC6A8 – solute carrier class 6, member 8), por ter uma expressão mais ubíqua é considerado o principal transportador de Cr, razão pela qual é denominado simplesmente por CreaT.

O CreaT é uma proteína integral de membrana, com 12 domínios trans-membrana e aproximadamente 70,5 kDa, apresentando cadeia de 635 aminoácidos (SNOW e MURPHY, 2001). Sua estrutura é muito similar às dos transportadores de dopamina, GABA, taurina e noradrenalina, todos dependentes de Na+/Cl-. Três sítios de glicosilação foram encontrados ao longo da cadeia do CreaT, sendo dois nas alças extracelulares entre os domínios transmembrana 3 e 4 e um entre o 11 e 12 (SALTARELLI et al., 1996; SORA et al., 1994). Além disso, sítios de fosforilação foram identificados na terminação amino e carboxílica, bem como em alças intracelulares, totalizando cinco locais de fosforilação (SALTARELLI et al., 1996; SORA et al., 1994). Os estados de glicosilação e fosforilação da proteína são possíveis moduladores da atividade do CreaT e, conseqüentemente, da taxa de captação de Cr pela célula (NASH et al., 1994; ZHAO et al., 2002).

O CreaT foi identificado em diversos tecidos, como o músculo esquelético, cérebro, miocárdio, rins, testículos, fígado, pulmões, enterócitos, retina e eritrócitos (GUIMBAL e KILIMANN, 1993; SNOW e MURPHY, 2001; SPEER, et al., 2004; TOSCO et al., 2004; NAKASHIMA et al., 2004). Quanto à localização celular do transportador, foi demonstrado, através de imagem por fluorescência e análise imunohistoquímica, que o CreaT está localizado juntamente com a isoforma α1 da Na+/K+ ATPase e a enzima citrato sintase, presentes, respectivamente, nas membranas plasmática e mitocondrial (SNOW e MURPHY, 2001). O transporte da Cr através deste transportador utiliza um sistema de co-transporte com Cl- e Na+, com estequeometria de 2 Na+ e 1 Cl- por molécula de Cr transportada (GARCIA-DELGADO et al., 2001 e PERAL et al., 2002), utilizando a energia do gradiente eletroquímico do Na+, gerado pela Na+/K+ ATPase (GUERRERO-ONTIVEROS e WALLIMANN, 1998).

Mais estudos sobre a regulação da expressão e atividade do CreaT possibilitará a melhor compreensão dos efeitos da suplementação de creatina e, especialmente, auxiliará do tratamento de algumas patologias que envolvem o sistema, como doenças neurodegenerativas, miopatias, além das moléstias que levam a intensa perda de massa e função musculares.

Por Lucas Guimarães Ferreira

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Treinamento de força e síntese protéica muscular

Após uma sessão de treinamento de força, a taxa de síntese protéica mostra-se elevada de 2 a 5 vezes em relação aos valores de repouso, podendo se estender por até 48 horas em indivíduos alimentados (PHILLIPS et al., 1997). Após o exercício de força ocorre aumento tanto da síntese de proteínas miofibrilares quanto mitocondriais (WILKINSON et al, 2008). Pesquisa recente aponta que a resposta máxima na magnitude da síntese protéica miofibrilar após este tipo de exercício ocorre entre 60 e 90% de 1RM (KUMAR et al., 2009a). A ativação de proteínas da cascata de sinalização que regulam a iniciação da tradução, como Akt (ou PKB) e mTOR, 4EBP-1, p70S6k e proteína ribossomal S6, tem sido associada ao aumento da síntese protéica pós-exercício (BAAR e ESSER, 1999; KARLSSON et al, 2004; DREYER et al, 2006; WILKINSON et al, 2008; VOLPI et al, 2008; KUMAR et al, 2009a, MAYHEW et al, 2009).

Entretanto, Kumar et al (2009b), apontam que ainda há evidências dúbias quanto à relação precisa entre a extensão das modificações nas cascatas de sinalização intracelular e conseqüentes modificações nas taxas de síntese protéica no músculo esquelético em resposta ao exercício físico. De fato, Greenhaff et al (2008) recentemente demonstraram que a infusão de insulina e aminoácidos, apesar de provocar aumento significante na fosforilação da Akt e p70S6k de forma dose dependente, não resultou em aumento concomitante na taxa de síntese protéica no músculo esquelético à medida que a dose de insulina era aumentada. Além disso, Wilkinson et al (2008) verificaram que esta via de sinalização foi estimulada tanto pelo exercício de força quanto pelo de resistência aeróbica, apesar da resposta sobre o fenótipo do músculo esquelético mostrar-se distinta de acordo com o estímulo. Está claro que se trata de um processo complexo, e que outros fatores estão envolvidos nas respostas moleculares ao exercício. É provável que pesquisas posteriores esclareçam melhor a relação temporal e de dose-resposta entre o treinamento de força, expressão e fosforilação de vias de sinalização intracelular e a síntese protéica muscular.

Referências:

Baar K, Esser K. Phosphorylation of p70(S6k) correlates with increased skeletal muscle mass following resistance exercise. Am J Physiol Cell Physiol 276: C120–C127, 1999.

Dreyer HC, Fujita S, Cadenas JG, Chinkes DL, Volpi E, Rasmussen BB. Resistance exercise increases AMPK activity and reduces 4E-BP1 phosphorylation and protein synthesis in human skeletal muscle. J Physiol 576: 613–624, 2006.

Greenhaff PL, Karagounis LG, Peirce N, Simpson EJ, Hazell M, Layfield R, Wackerhage H, Smith K, Atherton P, Selby A, Rennie MJ. Disassociation between the effects of amino acids and insulin on signaling, ubiquitin ligases, and protein turnover in human muscle. Am J Physiol Endocrinol Metab 295: E595–E604, 2008.

Karlsson HK, Nilsson PA, Nilsson J, Chibalin AV, Zierath JR, Blomstrand E. Branched-chain amino acids increase p70S6k phosphorylation in human skeletal muscle after resistance exercise. Am J Physiol Endocrinol Metab 287: E1–E7, 2004.

Kumar V, Atherton P, Smith K, Rennie MJ. Human muscle protein synthesis and breakdown during and after exercise. J Appl Physiol 106: 2026-2039, 2009b.

Kumar V, Selby A, Rankin D, Patel R, Atherton P, Hildebrandt W, Williams J, Smith K, Seynnes O, Hiscock N, Rennie MJ. Age-related differences in the dose-response of muscle protein synthesis to resistance exercise in young and old men. J Physiol 587: 211–217, 2009a.

Mayhew, DL, Kim, J, Cross, JM, Ferrando, AA, Bamman, MM. Translational signaling responses preceding resistance training-mediated myofiber hypertrophy in young and old humans
J Appl Physiol, November 1, 2009; 107(5): 1655 – 1662.

Phillips SM, Tipton KD, Aarsland A, Wolf SE, Wolfe RR. Mixed muscle protein synthesis and breakdown after resistance exercise in humans. Am J Physiol Endocrinol Metab. 273: E99–E107, 1997.

Wilkinson SB, Phillips SM, Atherton PJ, Patel R, Yarasheski KE, Tarnopolsky MA, Rennie MJ. Differential effects of resistance and endurance exercise in the fed state on signaling molecule phosphorylation and protein synthesis in human muscle. J Physiol 586: 3701–3717, 2008.

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Metabolismo do Exercício: Parte 3

Respostas metabólicas e integração do metabolismo no exercício físico

A utilização da fosfocreatina tem início assim que se inicia a contração muscular, tamponando o ADP acumulado em virtude da taxa de hidrólise aumentada do ATP. Esse aumento rápido dos níveis de ADP parece ser o estímulo inicial para o aumento da hidrólise da fosfocreatina via reação da creatina quinase. Estudos demonstram que a hidrólise da fosfocreatina é a principal fonte de regeneração de ATP nos primeiros 10 a 15 segundos de exercício de alta intensidade. Entretanto, é importante ressaltar que a glicólise anaeróbica também contribui de forma importante para a geração de energia nesse tipo de exercício, mesmo nos segundos iniciais, apesar de sua contribuição aumentar de forma crescente à medida que a contribuição da fosfocreatina declina. Devido à maior capacidade do sistema fosfagênico de produção de ATP por unidade de tempo (~9 mmol/kg dm-1.s-1) quando comparado ao sistema glicolítico (~4,5 mmol/kg dm-1.s-1), compreende-se a razão por que corredores de curta distância (100 ou 200 m) apresentam maior velocidade nos primeiros segundos da corrida, a qual decai progressivamente até o final da prova.
O músculo esquelético obtém sua demanda metabólica tanto a partir do metabolismo oxidativo quando do anaeróbico. A escolha do combustível depende principalmente da disponibilidade de substrato e oxigênio, mas também da demanda de formação de ATP, que se relaciona com a intensidade do exercício e, conseqüentemente, com o tipo de fibra muscular que é predominantemente recrutada. As fibras musculares do tipo I (oxidativas de contração lenta), recrutadas em exercícios de intensidade mais baixa, possuem alta capacidade oxidativa, apresentando maior capilarização, densidade mitocondrial, conteúdo de mioglobina e atividade de enzimas oxidativas, sendo, dessa forma, mais aptas a utilizar lipídios e carboidratos de forma aeróbica. Em contrapartida, as fibras tipo II (glicolíticas, de contração rápida), que se dividem em IIa e IIb, são mais aptas ao metabolismo anaeróbico, gerando ATP principalmente via fosfocreatina e glicólise anaeróbica.
Dessa forma, observa-se um fenômeno de troca do substrato predominantemente utilizado, à medida que a intensidade do esforço se eleva. Em esforços leves a moderados, os ácidos graxos são substratos preferenciais, enquanto que, em intensidades mais altas, acima de ~65% do VO2 máx, fontes de carboidratos (glicogênio e glicose sangüínea) tornam-se os substratos principais para geração de ATP. A razão para essa troca de substrato predominante parece ser o recrutamento das fibras de contração rápida e o aumento dos níveis de adrenalina. Níveis elevados desse hormônio aumentam a degradação do glicogênio muscular, ao estimular a glicogênio fosforilase, e aumentam a atividade da via glicolítica.
A estimativa da contribuição dos carboidratos e lipídios no metabolismo energético durante o exercício pode ser obtida pela relação entre o débito de dióxido de carbono (VCO2) e o volume de O2 (VO2), que é denominada razão de troca respiratória (ou quociente respiratório – QR). Tal método se baseia no fato de lipídios e carboidratos diferirem quanto à quantidade de O2 utilizado e de CO2 produzido durante a oxidação. Nesse método, exclui-se a pequena participação dos aminoácidos para geração de ATP. Dessa forma, os valores de QR vão de 0,70, em que 100% do substrato utilizado seriam os lipídios, a 1,00, em que 100% do substrato seriam carboidratos. Um valor de QR de 0,85 representa a condição na qual lipídios e carboidratos contribuem igualmente como substratos energéticos.

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Metabolismo do Exercício: Parte 2

Glicólise

O glicogênio é armazenado em grânulos no músculo esquelético, podendo ser convertido a glicose-1-fosfato, entrando, assim, na via glicolítica. Devido à ausência da enzima glicose fosfatase nesse tecido, o glicogênio intramuscular pode ser utilizado somente pelo próprio músculo em atividade, ao contrário do fígado, onde essa enzima possibilita a saída da glicose para a corrente sangüínea, de onde é captada pelos tecidos periféricos.
Para que a glicólise aconteça, é necessário que seja alimentada com NAD+, necessário na reação da gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase. Em intensidades mais baixas de trabalho, o suprimento de NAD+ citosólico é acoplado à geração mitocondrial de ATP. Entretanto, em altas intensidades de exercício, quando a demanda por NAD+ excede a capacidade mitocondrial de geração desse, o piruvato formado na glicólise é convertido em lactato, regenerando o NAD+ e possibilitando, assim, a continuação da oxidação da glicose e do glicogênio para a formação de ATP.

Em 1780, Carl Wilhelm Scheele descobriu o ácido láctico. Muitos anos mais tarde, em 1922, Otto Meyerhoff e Archibald V. Hill receberam o Prêmio Nobel por seus trabalhos acerca da energética do catabolismo dos carboidratos no músculo esquelético, os quais demonstraram que o ácido láctico é produzido por meio da glicólise na ausência de oxigênio. Desde então, assumiu-se que em altas intensidades de trabalho muscular, em que a disponibilidade de oxigênio torna-se limitada, aquele composto é formado, sendo então dissociado em lactato e íons H+, o que seria responsável pela acidose metabólica que se instala nessas situações, contribuindo para o desenvolvimento da fadiga. De fato, uma correlação entre a formação de lactato, que por sua vez se correlaciona à intensidade do exercício, e a diminuição do pH muscular é verificada. Entretanto, trabalhos recentes demonstram que não parece se tratar de uma relação de causa e efeito, visto que o ácido láctico possui uma baixa constante de dissociação (pKa) de seu grupo carboxila (3,87).
Assim, apesar de a correlação entre a formação de lactato e a acidose metabólica muscular, como demonstrada há diversas décadas, de fato existir, essa seria explicada pelo aumento na demanda por ATP do músculo em contração, suprida pela glicólise e pelo sistema da fosfocreatina. Nesse caso, o ATP é suprido por fontes não-mitocondriais, e íons H+ provenientes da glicólise e da hidrólise do ATP se acumulam, uma vez que deixam de ser utilizados na respiração mitocondrial. Ou seja, de acordo com algumas evidências, a causa da acidose metabólica não seria meramente a liberação de prótons, mas sim um desequilíbrio entre a taxa de liberação e a taxa de tamponamento desses prótons. E, ainda, a fonte de H+ não seria a molécula de ácido láctico formado na glicólise anaeróbica.

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Metabolismo do Exercício: Parte 1

Estou iniciando outra série de postagens, agora sobre o tema Metabolismo do Exercício. Darei início falando do ATP e do sistema da fosfocreatina.

O ATP

O trifosfato de adenosina (ATP) é a única forma de energia química que pode ser convertida em outras formas de energia utilizáveis pelas células. A energia livre resultante da hidrólise do ATP permite a contração muscular e, dessa forma, a geração de força e trabalho. Durante o exercício, a taxa de utilização de energia pode aumentar até 30 vezes. Um complexo conjunto de processos metabólicos está envolvido na produção, no armazenamento e na utilização dos substratos capazes de gerar ATP, atendendo à demanda energética do exercício físico.
O ATP não pode ser acumulado em grandes quantidades, sendo o estoque intramuscular de apenas cerca de 24 mmol/kg de matéria seca, suficiente para cerca de 2 segundos de contrações musculares no exercício máximo. Apesar da intensa utilização desse composto, seus níveis intracelulares não caem mais que 30 a 40%, mesmo durante exercício intenso, uma vez que é eficazmente ressintetizado a partir do ADP e do AMP.

Fosfocreatina

A creatina é um composto que contém carbono, hidrogênio e nitrogênio, sintetizado nos rins, no pâncreas e fígado (neste último principalmente) a partir de três aminoácidos: glicina, arginina e metionina. Diariamente, aproximadamente 2 g de creatina são convertidos, através de reação não-enzimática, em creatinina, que atravessa livremente a membrana celular sendo posteriormente excretada pelos rins. A reposição dos estoques de creatina se dá tanto por síntese endógena quanto pela ingestão na dieta onívora típica. O estoque intracelular de creatina total gira em torno de 120-125 mmol/kg de peso seco, resultando em cerca de 120 g no indivíduo de 70 kg, sendo 95% desse valor encontrado no músculo esquelético. Apresenta-se nas formas livre (Cr) ou fosforilada (CP). Quando fosforilada atua na refosforilação do ADP, mediante ação da enzima creatina quinase (CK), contribuindo para a manutenção dos níveis intracelulares de ATP. Essa via energética é predominantemente utilizada no início do trabalho de contração muscular, bem como em esforços de curtíssima duração e alta intensidade. Dessa forma, tem sido demonstrado que a suplementação dietética com creatina mono-hidratada proporciona uma melhora significativa em atividades de alta intensidade, ao aumentar os níveis intramusculares de creatina total (TCr) para cerca de 145 a 160 mmol/kg de peso seco, bem como ao proporcionar um aumento da ressíntese de CP durante a recuperação.
Além de atuar como um tampão temporário de energia, mantendo a concentração celular de ATP, o sistema da fosfocreatina parece possuir outras funções. A hidrólise do ATP acarreta produção de H+, ao passo que a reação da CK promove o seqüestro de H+. Esse acoplamento funcional impede a rápida acidificação do meio intracelular no início da contração muscular. E, ainda, a hidrólise da fosfocreatina promove uma rápida liberação de Pi durante a contração, o que parece estar relacionado com a ativação da enzima glicogênio fosforilase e de enzimas da glicólise no início do exercício, mantendo-se, assim, a produção de energia.
A reação da creatina quinase é reversível. Dessa forma, após o exercício, quando a demanda por ATP diminui acentuadamente, a oxidação de carboidratos e lipídios permite a ressíntese da fosfocreatina, repondo o pool intracelular desse composto. Essa ressíntese de fosfocreatina pode ser severamente comprometida por baixo pH, baixa tensão de oxigênio e/ou por uma redução no fluxo sangüíneo muscular.

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Lucas.

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Plasticidade Muscular: Parte 4

Controle traducional da síntese protéica

A modificação no conteúdo protéico e na constituição de diferentes isoformas de proteínas musculares durante um evento adaptativo pode ser controlado por modificações em várias etapas, desde o DNA, até os produtos da tradução do mRNA, as proteínas. O ganho ou perda de proteínas no músculo esquelético é determinado pelo balanço entre dois processos opostos: síntese e degradação protéica.

Dentre as etapas da síntese protéica, um passo fundamental é a tradução do mRNA em proteína. Este é um processo complexo que se divide em três etapas: a) iniciação, na qual o metionil-tRNA iniciador (met-tRNAi – RNA transportador contendo o primeiro aminoácido, Metionina, da cadeia polipeptídica a ser formada) e o mRNA são ligados às subunidades ribossomais 40S e 60S; b) alongamento, o passo no qual os aminoácidos são incorporados à cadeia peptídica nascente; e c) terminação, quando o peptídeo completo é liberado do ribossomo. Estas etapas dependem de proteínas conhecidas como fatores de iniciação eucarióticos (eIFs), fatores de alongamento e fatores de liberação (JEFFERSON et al, 2001; KIMBALL et al. 2002).

A iniciação da tradução é um processo que envolve a interação de ao menos 12 fatores de iniciação, met-RNAi, mRNA, subunidades ribossomais e nucleotídeos ATP e GTP (ver figura) (JEFFERSON et al, 2001). De todos os passos da iniciação, dois são regulados de forma especialmente importante. O primeiro é a ligação do met-tRNAi à subunidade ribossomal 40S, que é mediada pelo eIF2 e regulada por modificações na atividade de troca de guanina-nucleotídeo da eIF2B. O segundo passo regulatório é a ligação do mRNA à subunidade 40S e envolve proteínas eIF4. Grau de fosforilação de fatores como eIF4E, eIF4G e 4E-BP1 regulam esta etapa da iniciação. (JEFFERSON et al, 2001).

Foi demonstrado que ratos diabéticos há um declínio na taxa de síntese protéica muscular em conseqüência da diminuição da iniciação da tradução, devido a uma diminuição na atividade da eIF2B, e inibição da ligação do mRNA ao complexo de iniciação 43S, através da fosforilação da 4E-BP1, aumentando a disponibilidade de eIF4E ativa. O tratamento destes animais com insulina rapidamente restaura a taxa de tradução para valores iguais aos de animais controle (KIMBALL et al., 2002). Algumas intervenções, como a administração de aminoácidos, hormônios e o treinamento de força ativam vias de sinalização que ativam os fatores de iniciação da tradução, levando a um aumento do processo de síntese protéica (KIMBALL et al., 2002). Desta forma, modificações no ritmo desta etapa da tradução do mRNA podem resultar no aumento ou declínio da taxa de síntese protéica e, conseqüentemente, na hipertrofia ou atrofia musculares.

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Efeito da suplementação nutricional pós-exercício em mulheres na pós-menopausa.

Um trabalho recente investigou os efeitos da suplementação nutricional sobre os ganhos de massa e força musculares, bem como da densidade mineral óssea em mulheres na pós-menopausa. Vejamos os resultados.

Protein-containing nutrient supplementation following strength training enhances the effect on muscle mass, strength, and bone formation in postmenopausal women

Este trabalho avaliou a reposta de vários parâmetros musculares e ósseos em resposta à 24 semanas de treinamento de força em mulheres saudáveis, na pós-menopausa, que receberam um suplemento nutricional (proteínas, carbohidratos, cálcio e vitamina D) ou placedo imediatamente após cada sessão de treinamento.

A hipertrofia muscular foi analisada através de biópsias, ressonância magnética ou absormetria de raio-x de dupla energia (DEXA). A força muscular foi determinada através de um dinamômetro e a densidade mineral óssea foi mensurada pelo DEXA.

O grupo suplementado melhorou a força muscular concêntrica e isocinética em 9 ± 3% (P 0.05). Apenas o grupo suplementado apresentou melhora na massa muscular magra (P < 0.05) depois das 24 semanas.

A densidade mineral óssea respondeu de forma similar na coluna lombar, mas mudou de forma diferente entre os grupos na área do cólo do fêmur (P < 0.05)[placebo: 0.943 ± 0.028 to 0.930 ± 0.024 g/mm3 (–1.0 ± 1.4%); suplementado: 0.953 ± 0.051 to 0.978 ± 0.043 g/mm3 (3.8 ± 3.4%)].

Em conclusão, este trabalho mostrou que a suplementação nutricional resultou no maior ganho na massa muscular, força muscular e densidade mineral óssea no cólo do fêmur durante 24 semanas de treinamento de força. As diferenças observadas entre os grupos demonstram possíveis efeitos benéficos do suprimento de nutrientes no período pós-exercício para a manutenção da massa músculo-esquelética.

Referência:

Lars Holm, Jens L. Olesen, Keitaro Matsumoto, Tatsuya Doi, Masao Mizuno, Thomas J. Alsted, Abigail L. Mackey, Peter Schwarz, and Michael Kjær. Protein-containing nutrient supplementation following strength training enhances the effect on muscle mass, strength, and bone formation in postmenopausal women. J Appl Physiol 105: 274-281, 2008.

Lucas Guimarães

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Suplementação com Tribulus Terrestris

Muitas pessoas vêm utilizando um suplemento alimentar chamado Tribulus Terrestris. Com base em alguns estudos que mostraram aumento dos níveis de testosterona, a utilização se baseia na busca do aumento dos níveis deste hormônio anabólico, para aumento de força e massa musculares. Mas será que este efeito é mesmo observado?

Vejamos o que dizem sobre este suplemento:

“O Tribulus Terrestris erva natural, comumente conhecida como a videira da punctura (picada ou ferimento feito com punçăo) que tem sido usada durante séculos na Europa para tratamento da impotência e como um estimulante para ajudar a aumentar o impulso e o desempenho sexual. Como apoio atlético, esta potente erva tem sido observada e estudada para realçar a produçăo do LH (hormônio luteinizante) e impulsionar os níveis de testosterona. Este poderoso extrato, como DHEA e Androstenediona, pode ajudar a elevar os níveis de testosterona sem perigo e seus efeitos tęm sido cobiçados pelos atletas búlgaros durante décadas.

Ao aumentar as concentraçőes plasmáticas de testosterona, aumenta também produçăo de músculo como efeito anabólico. A testosterona é vital porque desempenha vários papéis essenciais no nosso organismo, em especial, a síntese de massa muscular, com os conseqüentes ganhos de força.” (Fonte: www.plenaformasaude.com.br).

Vamos analisar 2 estudos controlados, em humanos, que investigaram seus efeitos sobre o ganho de massa muscular:

No estudo de Antonio e colaboradores (2000), 15 indivíduos foram divididos em 2 grupos e receberam T. Terrestris (3,21 mg/kg de peso por dia) ou placebo. Depois de 8 semanas, nas quais estes indivíduos seguiram um treinamento de força, não houve diferenças entre os grupos no ganho de peso corporal e no percentual de gordura corpórea. No que diz respeito ao aumento de força, curiosamente o grupo que recebeu placebo apresentou melhoria de desempenho tanto em exercício de membros inferiores quanto de membros superiores, enquanto que o grupo que recebeu T. Terrestris apresentou melhoria de desempenho no exercício de pernas, somente. Os autores concluíram que a suplementação não promove melhoria na composição corporal, e nem no desempenho em exercício de força em homens treinados.

Um outro estudo, mais recente, de Rogerson e colaboradores (2007), com 22 jogadores de Rugby australianos os efeitos da suplemetação com T. Terrestris foi novamente investigado. Após 5 semanas de suplementação e treinamento de musculação, força e massa musculares aumentaram significativamente em todos os indivíduos, sem diferença entre os grupos. Foi concluído que o T. Terrestris não produziu o grande aumento de força e massa musculares que os fabricantes alegam.

Isso nos mostra que devemos sempre buscar embasamento científico antes de utilizarmos qualquer suplemento alimentar. Nem sempre o que os fabricantes alegam nos rótulos ocorre realmente. No caso específico do T. Terrestris, estes se utilizaram de estudos preliminares, com indivíduos destreinados, para divulgar este suplemento como altamente anabólico, produzindo ganhos de massa muscular. Acontece que o treinamento de força por sí só é um estímulo para a liberação de testosterona, e tal suplementação não parece promover efeitos aditivos.

Ainda prevalece o bom senso: treino, alimentação e respouso adequados. Suplementos podem ser bem-vindos, mas devemos sempre buscar respaldo em estudos controlados, prestando atenção para a segurança da suplementação e pensando primeiramente na nossa saúde.

Bons treinos!

Lucas Guimarães

Referências:

Rogerson et al. The effect of five weeks of Tribulus terrestris supplementation on muscle strength and body composition during preseason training in elite rugby league players. J Strength Cond Res. 2007 May;21(2):348-53.

Antonio et al. The effects of Tribulus terrestris on body composition and exercise performance in resistance-trained males. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2000 Jun;10(2):208-15.

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Suplementação com Proteínas: Whey Protein x Proteína isolada de Soja

Já é bem conhecido o fato de a proteína do soro do leite, o whey protein, ser uma proteína de absorção extremamente rápida. Desta forma, no meio fitness, costuma-se utilizar este suplemento para o ganho de massa muscular, consumido principalemnte no período pós-treino, onde o estímulo para a síntese protéica muscular é maior com a ingestão de aminoácidos/proteínas.

Bem, mas e a proteína da soja? Ela é uma proteína de bom valor biológico, apesar de menor e de mais lenta absorção que o whey protein. Mas será que promove os mesmo resultados?

Para tentar elucidar esta questão, Brown e colaboradores fizeram uma pesquisa. Eis o resumo dela (tradução livre):

Backgroud: Existe um certo concenso entre os praticantes de treinamento de força de que a proteína da soja é inferior ao whey na promoção do ganho de massa muscular. Este estudo realizou uma comparação direta entre estas duas fontes protéicas aliadas ao treinamento de força.

Métodos: O ganho de massa corporal magra foi examinada em homens de uma turma de universitários envolvidos notreinamento de força que receberam diariamente barras protéicas contendo proteína de soja ou whey (33g de proteína/dia, 9 indivíduos em cada grupo, n=9). O treinamento com pesos consistiu em exercícios com poucas repetições (alta intensidade). Um grupo (9 indivíduos) realizou o mesmo protocolo de treino, mas não recebeu suplementação alguma (grupo controle)

Resultados: Tanto o grupo que recebeu proteína de soja quanto o que recebeu whey mostraram ganhos na massa corpora magra, ao contrário do grupo controle que não obteve ganhos. O grupo da Soja também mostrou efeitos benéficos no estado antioxidante do corpo.


Figura 1: Massa corporal magra antes e após o tratamento.


Figura 2: Porcentagem na mudança da massa corporal magra.


Figura 3: Status antioxidante plasmático

Conclusões: A suplementação com barras a base de whey ou proteína de soja induzem, de forma semelhante, ao aumento da massa muscular, mas a soja mostrou o benefício adicional de preservar dois aspectos da função antioxidante do organismo.

É claro que não devemos tirar conclusões definitivas com base em um ou poucos estudos. De qualquer forma, este trabalho já nos faz refletir sobre as diferenças nas fontes protéicas para se realizar uma suplementação.

Referência:
Brown EC, DiSilvestro RA, Babaknia A, Devor ST. Soy versus whey protein bars: effects on exercise training impact on lean body mass and antioxidant status. Nutr J. 2004 Dec 8;3:22.

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Vídeo: O Dogma Central da Genética

Muito falamos em síntese de proteínas. Mas como este evento celular acontece?
Este vídeo explica de forma bem clara e didática.

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