Realidade, sabedoria e etc.

Há pessoas que confundem realidade com uma caricatura ou ilusão dela, cujo caráter pode variar de doce e desejável ao amargo e repugnante. Esse é um tema que remonta aos primórdios da filosofia, tendo sido um dos focos da filosofia socrática e tema da notória alegoria da caverna de Platão.

  • O oráculo de Delfos havia dito a Sócrates que ele era o mais sábio de todos os homens, pelo que Sócrates procurou saber se isso era verdade investigando seus contemporâneos – mas acabou concluindo que o deus de Delfos o considerava o mais sábios dos homens porque era o único que tinha consciência da própria ignorância, enquanto todas as pessoas notáveis acreditavam saber de coisas que realmente não sabiam.
    • “Assim, prossigo agora nessa busca, investigando, segundo o comando do deus, todo indivíduo, cidadão ou estrangeiro, que julgo ser sábio. Então se não julgo que é, presto assistência ao deus e mostro que a pessoa não é sábia.”
      (Platão: Apologia de Sócrates. Tradução: Edson Bini. Edipro: São paulo, 2011: p.36)

As discussões raramente ultrapassam o nível retórico, e quando isso acontece dificilmente a razão vence devido ao despeito ou mera hipocrisia. Sintoma dessa condição é o seguinte comportamento, tão estúpido e comum: argumentar contra alguém ou grupo com base no que se acredita serem as verdadeiras e ocultas razões para algo que essa pessoa ou grupo tenha dito ou feito. Assim, costumamos ouvir declarações do seguinte tipo: “Fulana aceitou o trabalho só para parecer boazinha”; “Sicrano não enfrentou a situação porque não tem culhão”; “Ele desconversou porque tinha medo do que eu poderia dizer”; etc. Como alguém pode saber o que se passa na mente de outras pessoas e conhecer suas reais razões por indícios tão fracos, especialmente quando há algo em disputa? Se formos levar a sério tais argumentos, precisaríamos primeiro acreditar que a maioria de nós possui clarividência ou a capacidade de ler mentes alheias! Acho mais provável que a maioria de nós não sabe o que se passa na própria cabeça, nem o que realmente fará quando houver ocasião de fazer.

Num debate, geralmente vence aos olhos do público quem fala mais grosso, mais alto ou de forma mais pedante (i.e., com ar de possuir elevada moral, vasto conhecimento, grande sabedoria ou qualquer característica que possa despertar admiração da turba – até mesmo ignorância, brutalidade ou depravação). Não raro, as disputas revelam traços de violência, geralmente verbais ou limitadas às ameaças hipotéticas – aquelas velhas ladainhas: “se fosse comigo, eu teria dito/feito isso e aquilo”, “caso se metam comigo, vão saber do que sou capaz”, “da próxima vez, vai ter troco”, etc. Sinceramente, pode até ser que tudo isso seja inofensivo na medida em que é apenas efeito e não a causa da nossa mediocridade; mesmo assim, não deixam de ser deprimente…