Disciplina discente no sistema de ensino antigo

Excerto de: Yuval Noah Harari: Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução: Paulo Geiger. Editora Companhia das Letras: 2015. Capítulo 7 – Sobrecarga de memória. Seção As maravilhas da burocracia. (Citando: Stephen D. Houston (org.): The First Writing: Script Invention as History and Process. Cambridge University Press: Cambridge, 2004: p.222.)

“Um exercício de escrita de uma escola na antiga Mesopotâmia que foi descoberto por arqueólogos modernos nos dá uma ideia da vida desses estudantes, por volta de 4 mil anos atrás:

Eu entrei e me sentei, e meu professor leu minha tábua.

Ele falou: “Tem algo faltando!”.

E me castigou com a vara.

Uma das pessoas responsáveis falou: “Por que você abriu a boca sem minha permissão?”.

E me castigou com a vara.

O responsável pelas regras falou: “Por que você se levantou sem minha permissão?”.

E me castigou com a vara.

O porteiro falou: “Por que você está saindo sem minha permissão?”.

E me castigou com a vara.

O guardião do caneco de cerveja falou: “Por que você se serviu sem minha permissão?”.

E me castigou com a vara.

O professor sumério falou: “Por que você falou em acadiano?”.

E me castigou com a vara.

Meu professor falou: “Sua caligrafia não é boa!”.

E me castigou com a vara.”

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Estatística

Excerto sobre Estatística extraído de: Yuval Noah Harari: Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução: Paulo Geiger. Editora Companhia das Letras: 2015. Capítulo 14 – A descoberta da ignorância. Seção: O dogma científico.

“Ao longo dos últimos 200 anos, desenvolveu-se um novo ramo da matemática para lidar com os aspectos mais complexos da realidade: a estatística.

Em 1744, dois clérigos presbiterianos na Escócia, Alexander Webster e Robert Wallace, decidiram criar um fundo de seguro de vida que pagaria pensões a viúvas e órfãos de clérigos falecidos. Eles propuseram que cada um dos pastores de sua igreja dedicasse uma pequena parte de sua renda para o fundo, que investiria o dinheiro. Se um pastor morresse, sua esposa receberia dividendos sobre os lucros do fundo. Isso lhe permitiria viver confortavelmente pelo resto da vida. Porém, para determinar quanto os pastores tinham de pagar a fim de que o fundo tivesse dinheiro suficiente para honrar suas obrigações, Webster e Wallace precisavam ser capazes de prever quantos pastores morreriam a cada ano, quantas viúvas e órfãos eles deixariam e quantos anos as viúvas viveriam a mais do que os maridos.

Observe o que os dois clérigos não fizeram. Eles não rezaram para que Deus lhes revelasse a resposta. Nem procuraram a resposta nas Escrituras Sagradas ou nas obras de teólogos antigos. Tampouco entraram em uma discussão filosófica abstrata. Sendo escoceses, eram sujeitos práticos. Então, contataram um professor de matemática da Universidade de Edimburgo, Colin Maclaurin. Os três reuniram dados sobre a idade em que as pessoas morriam e usaram esses dados para calcular quantos pastores provavelmente morreriam em determinado ano.

Seu trabalho se baseou em vários avanços recentes no campo da estatística e da probabilidade. Um desses avanços foi a Lei dos Grandes Números, de Jacob Bernoulli. Bernoulli havia codificado o princípio de que, embora fosse difícil prever com certeza um acontecimento específico, como a morte de uma pessoa em particular, era possível prever com grande precisão o resultado médio de muitos acontecimentos similares. Isto é, embora Maclaurin não pudesse usar a matemática para prever se Webster e Wallace morreriam no ano seguinte, ele podia, com dados suficientes, dizer a Webster e Wallace quantos pastores presbiterianos na Escócia quase certamente morreriam no ano seguinte. Por sorte, eles já contavam com os dados que poderiam usar. Tábuas atuariais publicadas 50 anos antes por Edmond Halley mostraram-se especialmente úteis. Halley havia analisado registros de 1.238 nascimentos e 1.174 mortes, obtidos da cidade de Breslávia, na Alemanha. As tábuas de Halley permitiram constatar, por exemplo, que uma pessoa de 20 anos de idade tinha uma chance em 100 de morrer em determinado ano, mas uma pessoa de 50 anos de idade tinha uma chance em 39.

Processando esses números, Webster e Wallace concluíram que, em média, haveria 930 pastores presbiterianos escoceses vivendo em um dado momento, e uma média de 27 pastores morria por ano, 18 dos quais deixariam viúvas. Cinco dos que não deixariam viúvas deixariam filhos órfãos, e dois dos que deixariam viúvas deixariam também filhos de casamentos anteriores que ainda não haviam completado 16 anos de idade. Posteriormente, eles calcularam quanto tempo deveria se passar até a viúva morrer ou se casar novamente (em ambos os casos, o pagamento da pensão cessaria). Com esses números, Webster e Wallace puderam determinar quanto dinheiro os pastores que aderissem ao fundo teriam de pagar para garantir o futuro de seus entes queridos. Contribuindo com 2 libras, 12 xelins e 2 pence por ano, um pastor podia garantir que a esposa viúva receberia pelo menos 10 libras por ano – uma soma considerável naqueles dias. Se achasse que isso não era suficiente, podia escolher pagar mais, até o limite de 6 libras, 11 xelins e 3 pence por ano – o que garantiria à viúva a soma ainda mais atraente de 25 libras por ano.

De acordo com seus cálculos, no ano 1765 o Fundo de Pensão para as Viúvas e os Filhos dos Pastores da Igreja da Escócia teria um capital totalizando 58.348 libras. Seus cálculos se mostraram incrivelmente precisos. Quando esse ano chegou, o capital do Fundo era 58.347 libras – apenas uma libra esterlina a menos que o previsto! Isso era ainda melhor do que as profecias de Habacuque, Jeremias ou são João. Hoje, o fundo de Webster e Wallace, conhecido simplesmente como Scottish Widows, é uma das maiores empresas de seguros e pensões do mundo. Com ativos no valor de 100 bilhões de libras, oferece garantias não só a viúvas escocesas, mas a qualquer um disposto a comprar suas apólices.”