Mundo: A Europa Decadente

Estou transtornado com a Europa. Considerando todo legado de sua história milenar, sua tradição cultural, filosófica, acadêmica, científica e tecnológica, eu esperava que ela seria atualmente a mais importante liderança mundial, exemplo de humanismo e civilidade para todas as nações do mundo. Entretanto, hoje ela está imersa numa profunda crise provocada por imposturas escandalosas na política e na economia.

Não acho que a crise européia atual era inevitável da perspectiva da década de 1990. Na verdade, imagino que a grande maioria das pessoas não contava com o advento de uma crise até que ela eclodiu subitamente em meados de 2006. Contudo, acredito que as tendências decadentes sempre estiveram latentes e floreceram lentamente em instituições e indivíduos corrompidos.

Acredito que a crise na Europa é fundamentalmente de caráter ético. A Europa está desgovernada por lideranças corrompidas, incompetentes e até patéticas. Sua economia está ancorada num capitalismo selvagem, inescrupuloso, desumano. Seus cidadãos estão desnorteados e parecem incapazes de uma articulação politica positiva, que vá além de meras manifestações e protestos raivosos. (Como crianças que fazem birra quando não têm o que querem, dão a impressão de que se lhes derem alguns euros ou doces eles irão para casa plenamente satisfeitos!) Surpreendentemente, já não é difícil imaginar que muitos europeus venham a depositar suas esperanças em personalidades carismáticas com promessas de soluções tão fáceis e imediatas quanto comprometedoras…

A crise ética da Europa é histórica, pois ela sempre relevou a ética. Sua política sempre foi movida pela ganância e grande parte de sua riqueza foi constituida pela exploração de outros povos. Apesar de todo seu avanço no pensamento humanista, os europeus nunca foram realmente constrangidos por princípios éticos em seus embates – prova disso é o fato deles terem protagonizado diversas guerras internas e duas guerras mundiais. A novidade contemporânea é que a Europa está sendo vítima de sua própria depredação política e econômica: os europeus estão se consumindo porque já não têm mais colônias para sugar.

Lamentável, triste e desalentador… Querendo entender, procuro uma explicação para o patrimônio cultural europeu: como os europeus, sendo como são, conseguiram criar suas magnificências culturais? A resposta é simples: os europeus são humanos e em toda humanidade florecem juntos o bem e o mal, a nobreza e a corrupção. Na essência, eu, você e todas as demais pessoas somos como os europeus e eles são como nós: capazes de ações belas e também terríveis.

Enfim, só há uma esperança: que todos sejamos melhores do que sempre fomos.

 — II —

Agora, tudo que foi dito sobre a Europa também se aplica a seu descendente esquizofrênico, os Estados Unidos:

“Nosso modo de criar riquezas injetou tantas toxinas no mundo financeiro e no mundo natural que, em 2008/2009, estas abalaram as próprias fundações de nosso mercados e ecossistemas. Embora possa parecer, superficialmente, que uma coisa não tem relação com a outra, tanto a desestabilização do Mercado quanto da Mãe Natureza têm as mesmas raízes. Eis por que tantoo banco de investimentos Bear Stearns quanto os ursos-polares enfrentaram a extinção ao mesmo tempo. Eis por que o Citibank, os bancos da Islândia e os bancos de gelo da Antártida dereteram todos ao mesmo tempo. A mesma negligência solapou todos eles. Estou falando sobre uma ampla quebra no nível de responsabilidade individual e institucional por parte de atores-chave, tanto no mundo natural quanto no mundo financeiro – além de um profundo mergulho na desonestidade contábil, que permitiu a indivíduos, bancos e firmas de investimento ocultarem ou subestimarem os riscos, privatizarem os lucros e socializarem os prejuízos, sem que o público, em geral, soubesse o que estava acontecendo. É claro que nem todo crescimento verificado nos Estados Unidosou em outros lugares foi fraudulento – longe disso. (…) Mas, pelo menos nos Estados Unidos, uma parte considerável de nosso crescimento econômico não foi inventada; foi tirada dos cofrinhos das crianças e das reservas da Mãe Natureza. Portanto, enquanto sociedade, acabamos vivendo além de nossas posses coletivas.”
Thomas L. Friedman: Quente, Plano e Lotado: os desafios e oportunidades de um novo mundo. Editora Objetiva: Rio de Janeiro, 2010: pp.15-16. (Ênfases acrescentadas)