Educação e Liberdade

“Se a educação sozinha não pode tranformar a sociedade,
tampouco sem ela a sociedade muda.”

Paulo Freire (educador brasileiro)

“O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
pelo qual a criança cresce para a vida intelectual daqueles que estão ao seu redor.”

Lev Semyonovich Vygotsky (psicólogo russo)

Somos livres? Essa dúvida é legítima, embora possa parecer óbvio que a resposta deva ser positiva. Percebemos a pertinência da pergunta imediatamente ao tentar respondê-la, pois precisamos previamente esclarecer o significado de liberdade – um conceito já demasiadamente profundo…

Filosofia à parte, temos uma compreensão intuitiva do que seja liberdade e desejamos intensamente ser  livres: liberdade é a autonomia da vontade, o poder de escolher e, em particular, decidir o próprio destino. Cabe a questão: Como promover a liberdade, especialmente numa sociedade complexa e ubiqüamente regida por leis? A única resposta plausivel é: educando. A liberdade somente pode ser promovida educando o povo de modo a desenvolver indivíduos autônomos, ou seja, com a capacidade de perceber, compreender e julgar adequadamente seus impulsos e ações e também as estruturas e fatos sociais.

Somente um indivíduo realmente autônomo consegue ser realmente livre, assumindo uma postura crítica e agindo com autenticidade. Idealmente, esse indivíduo descontrói os argumentos dos sistemas de doutrinação, descobre as falácias da propaganda, desvenda as tentativas de manipulação; assim, suas pequenas e grandes escolhas serão sempre expressões de sua idiossincrática personalidade (não por serem exclusivas, mas por não serem imitações e nem o efeito de idéias inculcadas por agentes alheios).

A educação libertadora é (necessita ser) crítica e criativa – e não pode ser de outro modo. O conhecimento não basta: é necessário decidir o que conhecer em função de objetivos que são criados e devem ser criticados. O que pretendemos? Por que queremos uma coisa ao invés de outra? Como devemos alcançar nossos objetivos? Quais são as alternativas? O que é necessário saber para poder fazer…?

Educar é uma ação intrinsecamente sócio-política, eventualmente revolucionária. Num sociedade democrática, a educação libertadora é um imperativo porque a liberdade é uma componente essencial da própria democracia. Geralmente, a qualidade da democracia de um país pode ser medida pelo caráter da sua política educacional oficial. Por isso, a educação é um campo natural de disputas ideológicas envolvendo os diversos segmentos sociais.

Addendum: Opinião de Doris Lessing sobre a Educação

Existe ampla e original literatura sobre a relação entre educação e liberdade. Entretanto, aqui pretendo apenas citar uma opinião interessante sobre o assunto – uma que me impressionou bastante, quando a confrontei pela primeira vez em meados do ano 1999.

Os seguinte excertos foram extraídos do prefácio do livro O Carnê Dourado de Doris Lessing, publicado no Brasil pela Editora Record em 1972. Doris Lessing foi uma escritora francesa do século XX que compôs uma importante obra sobre temas feministas. No prefácio de O Carnê Dourado, Lessing analisa e critica a formação acadêmica de críticos literários na França, denunciando que a academia e outras instituições promovem uma sistemática destruição da criatividade natural e  delimitação da liberdade dos indivíduos. Entendo que sua crítica pode ser justamente extendida aos métodos pedagógicos e instrucionais vigentes em nossas instituições de ensino.

 

“Como na esfera política, ensina-se a criança que ela é livre, é uma democrata, dispondo de vontade própria e mente livre, morando num país livre, e podendo tomar suas próprias decisões. Ao mesmo tempo, ela é prisioneira das suposições e dos dogmas de sua época, que ela não questiona, porque nunca lhe disseram que eles existiam. Quando um jovem chega à idade em que precisa escolher (continuamos a aceitar sem discutir que a escolha é inevitável) entre as artes e as ciências, ele costuma escolher as artes porque julga que nesse campo há humanidade, liberdade e opção. Ele não sabe que já se emoldurou ao sistema, não sabe que a própria escolha é resultado de uma falsa dicotomia enraizada no coração de nossa cultura. Os que o percebem e que não querem submeter-se a mais padrões, tendem a ir embora, num esforço meio inconsciente e instintivo de encontrar trabalho onde eles, como pessoas, não serão divididos entre si mesmos. Com todas as nossas instituições, que vão desde a polícia até a academia, desde a medicina até a política, prestamos pouca atenção às pessoas que se afastam, formando aquele processo de eliminação que prossegue sem cessar e que exlui, muito cedo, os que são originais e reformadores, deixando os atraídos para uma coisa que é isso que eles já são. Um jovem policial abandona a polícia porque afirma não gostar do que tem de fazer. Um jovem professor abandona o ensino e repele o seu idealismo. Este mecanismo social ocorre quase sem ser percebido, mas é uma força poderoa na manutenção rígida e opressiva de nossas instituições.”
“Talvez não exista outra maneira de educar as pessoas. Possivelmente, mas não acredito. Nesse ínterim seria útil pelo menos descrever adequadamente as coisas, chamar as coisas por seus nomes corretos. Idealmente, o que se deveria dizer a toda criança, repetidamente, durante toda a vida escolar é algo  mais ou menos assim: ‘Você está no processo de ser doutrinado. Ainda não criamos um sistema de educação que não seja um sistema de doutrinação. Lamentamos, mas estamos fazendo o melhor que podemos. O que lhe estão ensinando aqui é um amálgama dos preconceitos atuais e das opções desta nossa cultura. A consulta mais ligeira à história revelará que aqueles dois itens são temporários. Você está sendo ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamentos transmitido por seus predecessores. É um sistema autoperpetuador. Os que, dentre vocês, são mais vigorosos e individuais do que os demais, serão incentivados a ir embora e a encontrar maneiras de se educar, educando seu próprio julgamento. Os que ficarem devem sempre lembrar, sempre, em todas as ocasiões, que estão sendo amoldados para se enquadrar nas tímidas e específicas necessidades desta determinada sociedade.’ “
Doris Lessing, junho de 1971: Prefácio de O Carnê Dourado. Editora Record, 2a. edição. Rio de Janeiro, 1972.