Paradoxo Brasileiro

  • O paradoxo brasileiro é o seguinte. Cada um de nós isolaamente tem o sentimento e a crença sincera de estar muito acima de tudo isso que aí está. Ninguém aceita, ninguém aguenta mais: nenhum de nós compactua com o mar de lama, o deboche e a vergonha da nossa vida pública e comunitária. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado final de todos nós juntos é precisamente tudo isso que aí está! A auto-imagem de cada uma das partes – a ideia que cada brasileiro gosta de nutrir de si mesmo – não bate com a realidade do todo melancólico e exasperador chamado Brasil.”
    Como explicar o paradoxo brasileiro? Como entender essa sensação íntima de superioridade de cada um de nós, separadamente, diante do coletivo, e o fato de que todos nós juntos estamos tão aquém da somatória das nossas auto-imagens individuais? / A explicação básica, caro leitor, talvez não seja a hipocrisia. (…) Nosso verdadeiro problema, é o auto-engano. /se fôssemos capazes, cada um de nós, de olhar para nós mesmos como os outros nos vêem, descobriríamos que o /brasil nos habita e teríamos mais humildade no agir.”
    (
    Eduardo Giannetti: Vícios Privados, Benefícios Públicos? Companhia das Letras: São Paulo, 2005: p.12,15. Ênfases acrescentadas.)

Os Princípios Acima das Preferências

Um comentário baseado num elemento do caso Dreyfus

Em poucas palavras, o caso Dreyfus consistiu da condenação fraudulenta por alta traição do oficial do exército francês Alfred Dreyfus (1859-1935), no final do século XIX. Apesar de alguns fatos ainda permanecerem obscuros, há relativa segurança sobre contribuição de diversos fatores para a realidade do que aconteceu, sobretudo: desinformação (o processo parece ter sido elaborado pelo serviço de inteligência francês para despistar dos inimigos o desenvolvimento de uma inovadora arma de guerra, um canhão de 75mm com sistema para amortecimento do recuo), anti-semitismo (Dreyfus era judeu de uma família próspera e havia alguns movimentos anti-semitas florescendo na França da Belle Époque), conflitos político-ideológicos (como a oposição da Igreja Católica ao governo republicano, que culminou na lei que separou Igreja e Estado como consequência do desfecho do caso Dreyfus). Entretanto, de tudo o se sabe que aconteceu nesse caso, quero destacar o  tenente-coronel Georges Picquart, que casualmente descobriu a falsidade das provas pelas quais Dreyfus foi condenado e tomou providências sob duras represálias para que fosse inocentado apesar de pessoamente detestar Dreyfus (por ele ser judeu, dentre outras coisas). Conforme Émilie Zola (1840-1902) em sua J’accuse…! [Eu acuso…!], carta endereçada ao então Presidente da República da França, Félix Faure:

O tenente-coronel Picquart estava cumprindo suas obrigações de homem honesto. Insistia com seus superiores, em nome da justiça. Respondia, dizia quanto suas decisões eram apolíticas, diante da terrível tempestade que se construía, que se daria quando a verdade fosse conhecida”.

“E o fantástico resultado dessa prodigiosa situação é que o honesto tenente-coronel Picquart, que apenas cumpriu seu dever, será ele a vítima, o ridicularizado e o punido. Ah!, justiça, que terrível desespero rasga o coração! Chega-se ao cúmulo de dizer que ele é o falsificador, que fabricou o telegrama para incriminar Esterhazy. Mas, ó Deus! Por quê? Com que razão? Dai-me um motivo. Ele também foi pago pelos Judeus? O mais engraçado é que ele é justamente o anti-semita!”

Émile Zola: L’Acuse…!: Lettre au Presidént de la Repúblique. L’Aurore, 1898.

Não sei por que Picquart era anti-semita e detestava Dreyfus, mas me parece certo que, apesar disso, ele considerava que a verdade e a justiça deviam prevalescer sobre as preferências pessoais e que devia lutar por isso mesmo tendo que sofrer duras consequências.

Uma característica do caráter honrado e digno é ter os princípios verdadeiros acima das preferências pessoais. Por isso, Picquart é admirável e o resto é só resto

Referências

  1. Lauro M. Coelho: Caso Dreyfys: A fraude que revoltou a frança. URL: http://super.abril.com.br/historia/caso-dreyfus-a-fraude-que-revoltou-a-franca (Acessado em 14/05/2016)
  2. Émile Zola: L’Acuse: Lettre au Presidént de la Repúblique. O Marrare, no.12: 204-217. URL: http://www.omarrare.uerj.br/numero12/pdfs/emile.pdf (Acessado em 14/05/2016)
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Brasil: Políticas Sociais

São boas as estratégias governamentais contra a probreza e pró-justiça social no Brasil?

As opiniões divergem. Aqui, limito-me a uma compilação breve de alguns textos disponíveis na Internet.

Opiniões favoráveis às estratégias governamentais contra a pobreza e exclusão social

  1. Armando Simões, Gazeta do Povo (PR): Opinião: Mais bolsa família, mais educação. Todos Pela Educação, 26 de Maio de 2013. Link!
  2. Amauri Segalla, Mariana Brugger e Rodrigo Cardoso: Por que as cotas raciais deram certo no Brasil: Política de inclusão de negros nas universidades melhorou a qualidade do ensino e reduziu os índices de evasão. Acima de tudo, está transformando a vida de milhares de brasileiros. Revista ISTOÉ independente, Edição: 2264 (05.Abr.13). Link!
  3. Revista Época: Como reduzimos a probreza: No período democrático, os brasileiros estudaram o tema da miséria, definiram uma estratégia para combatê-la e elegeram governantes capazes de aplicá-las. Todos Pela Educação, 26 de Maio de 2013. Link!

Opiniões contrárias às estratégias governamentais contra a pobreza

Ainda não compiladas aqui, mas elas existem…

Uma questão óbvia:

> Quem paga, como é paga e quando será quitada a conta das bolsas do governo?

Brasil (Im)potência: descaminhos

Por que o Brasil não deslancha? Há muitas razões para nosso atraso, mas destacam-se a politicagem, a corrupção e a qualidade ruim da educação.

 

  • Educação desqualificada
  1. A educação técnica e superior não estão em sintonia com as necessidades do mercado de trabalho:
    > Valor Econômico (SP): A falta de sintonia entre escolas, jovens e empresas: Mona Mourshed, da McKinsey, diz que escolas não fazem pontes para alunos. Todos Pela Educação, 26 de Maio de 2013. Link!
  • Planos estratégicos equivocados
  1. Política Energética
    > R.C. de Cerqueira Leite: O poder do pré-sal. JC e-mail 4725, de 14 de Maio de 2013. Link! Não tenho competência para afirmar (como R.C. de Cerqueira Leite) que a política energética do Brasil está equivocada em sua ênfase no petróleo, mas dá para desconfiar pelo fato dessa fonte de energia ser muito poluente e possuir elevado risco ambiental. Além disso, não é paradoxal que o governo agora venha fazer propaganda para os brasileiros substituirem a gasolina por etanol como combustível para seus automóveis?
    > Editorial do Jornal O Estado de São Paulo de 14/05: Belo Monte, atrasada e cara. JC e-mail 4725, de 14 de Maio de 2013. Link!
    > Marcelo Leite: Pesquisa reforça desconfiança de que novas barragens chegarão ao Xingu. JC e-mail 4725, de 14 de Maio de 2013. Link!

Educação e Liberdade

“Se a educação sozinha não pode tranformar a sociedade,
tampouco sem ela a sociedade muda.”

Paulo Freire (educador brasileiro)

“O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
pelo qual a criança cresce para a vida intelectual daqueles que estão ao seu redor.”

Lev Semyonovich Vygotsky (psicólogo russo)

Somos livres? Essa dúvida é legítima, embora possa parecer óbvio que a resposta deva ser positiva. Percebemos a pertinência da pergunta imediatamente ao tentar respondê-la, pois precisamos previamente esclarecer o significado de liberdade – um conceito já demasiadamente profundo…

Filosofia à parte, temos uma compreensão intuitiva do que seja liberdade e desejamos intensamente ser  livres: liberdade é a autonomia da vontade, o poder de escolher e, em particular, decidir o próprio destino. Cabe a questão: Como promover a liberdade, especialmente numa sociedade complexa e ubiqüamente regida por leis? A única resposta plausivel é: educando. A liberdade somente pode ser promovida educando o povo de modo a desenvolver indivíduos autônomos, ou seja, com a capacidade de perceber, compreender e julgar adequadamente seus impulsos e ações e também as estruturas e fatos sociais.

Somente um indivíduo realmente autônomo consegue ser realmente livre, assumindo uma postura crítica e agindo com autenticidade. Idealmente, esse indivíduo descontrói os argumentos dos sistemas de doutrinação, descobre as falácias da propaganda, desvenda as tentativas de manipulação; assim, suas pequenas e grandes escolhas serão sempre expressões de sua idiossincrática personalidade (não por serem exclusivas, mas por não serem imitações e nem o efeito de idéias inculcadas por agentes alheios).

A educação libertadora é (necessita ser) crítica e criativa – e não pode ser de outro modo. O conhecimento não basta: é necessário decidir o que conhecer em função de objetivos que são criados e devem ser criticados. O que pretendemos? Por que queremos uma coisa ao invés de outra? Como devemos alcançar nossos objetivos? Quais são as alternativas? O que é necessário saber para poder fazer…?

Educar é uma ação intrinsecamente sócio-política, eventualmente revolucionária. Num sociedade democrática, a educação libertadora é um imperativo porque a liberdade é uma componente essencial da própria democracia. Geralmente, a qualidade da democracia de um país pode ser medida pelo caráter da sua política educacional oficial. Por isso, a educação é um campo natural de disputas ideológicas envolvendo os diversos segmentos sociais.

Addendum: Opinião de Doris Lessing sobre a Educação

Existe ampla e original literatura sobre a relação entre educação e liberdade. Entretanto, aqui pretendo apenas citar uma opinião interessante sobre o assunto – uma que me impressionou bastante, quando a confrontei pela primeira vez em meados do ano 1999.

Os seguinte excertos foram extraídos do prefácio do livro O Carnê Dourado de Doris Lessing, publicado no Brasil pela Editora Record em 1972. Doris Lessing foi uma escritora francesa do século XX que compôs uma importante obra sobre temas feministas. No prefácio de O Carnê Dourado, Lessing analisa e critica a formação acadêmica de críticos literários na França, denunciando que a academia e outras instituições promovem uma sistemática destruição da criatividade natural e  delimitação da liberdade dos indivíduos. Entendo que sua crítica pode ser justamente extendida aos métodos pedagógicos e instrucionais vigentes em nossas instituições de ensino.

 

“Como na esfera política, ensina-se a criança que ela é livre, é uma democrata, dispondo de vontade própria e mente livre, morando num país livre, e podendo tomar suas próprias decisões. Ao mesmo tempo, ela é prisioneira das suposições e dos dogmas de sua época, que ela não questiona, porque nunca lhe disseram que eles existiam. Quando um jovem chega à idade em que precisa escolher (continuamos a aceitar sem discutir que a escolha é inevitável) entre as artes e as ciências, ele costuma escolher as artes porque julga que nesse campo há humanidade, liberdade e opção. Ele não sabe que já se emoldurou ao sistema, não sabe que a própria escolha é resultado de uma falsa dicotomia enraizada no coração de nossa cultura. Os que o percebem e que não querem submeter-se a mais padrões, tendem a ir embora, num esforço meio inconsciente e instintivo de encontrar trabalho onde eles, como pessoas, não serão divididos entre si mesmos. Com todas as nossas instituições, que vão desde a polícia até a academia, desde a medicina até a política, prestamos pouca atenção às pessoas que se afastam, formando aquele processo de eliminação que prossegue sem cessar e que exlui, muito cedo, os que são originais e reformadores, deixando os atraídos para uma coisa que é isso que eles já são. Um jovem policial abandona a polícia porque afirma não gostar do que tem de fazer. Um jovem professor abandona o ensino e repele o seu idealismo. Este mecanismo social ocorre quase sem ser percebido, mas é uma força poderoa na manutenção rígida e opressiva de nossas instituições.”
“Talvez não exista outra maneira de educar as pessoas. Possivelmente, mas não acredito. Nesse ínterim seria útil pelo menos descrever adequadamente as coisas, chamar as coisas por seus nomes corretos. Idealmente, o que se deveria dizer a toda criança, repetidamente, durante toda a vida escolar é algo  mais ou menos assim: ‘Você está no processo de ser doutrinado. Ainda não criamos um sistema de educação que não seja um sistema de doutrinação. Lamentamos, mas estamos fazendo o melhor que podemos. O que lhe estão ensinando aqui é um amálgama dos preconceitos atuais e das opções desta nossa cultura. A consulta mais ligeira à história revelará que aqueles dois itens são temporários. Você está sendo ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamentos transmitido por seus predecessores. É um sistema autoperpetuador. Os que, dentre vocês, são mais vigorosos e individuais do que os demais, serão incentivados a ir embora e a encontrar maneiras de se educar, educando seu próprio julgamento. Os que ficarem devem sempre lembrar, sempre, em todas as ocasiões, que estão sendo amoldados para se enquadrar nas tímidas e específicas necessidades desta determinada sociedade.’ “
Doris Lessing, junho de 1971: Prefácio de O Carnê Dourado. Editora Record, 2a. edição. Rio de Janeiro, 1972.

(Sub)Cultura da Bobagem

No Brasil e no mundo, a boa educação (formal e informal) tem atualmente encontrado diversos obstáculos para adequada realização. Há várias razões para essa situação lastimável, mas quero aqui destacar apenas a influência perniciosa de algo que alcança o status de um paradigma: a cultura da bobagem. Defino esse termo como um conjunto de ideias, conceitos e comportamentos banais/medíocres disseminados informalmente, mormente pelos meios de comunicação de massa – e sobretudo pela televisão [*]. A cultura da bobagem é mormente um meio ao invés de um fim em si mesma, sendo que os interessados na sua promoção pretendem principalmente difundir idéias, induzir o consumo de determinados produtos ou simplesmente prender a atenção das pessoas. A cultura da bobagem ilustra a amplitude e profundidade do contínuo “assédio marketeiro” sobre a sociedade. Parece que não há limites para os métodos de manipulação, embora todos sejam variações do mesmo tema: a exploração aviltante de impulsos e emoções humanas; o ápice desses métodos são engodos sutis que suscitam a impressão de liberdade, autonomia, afirmação, realização pessoal: nesse caso, as pessoas mais enganadas são aquelas que acolhem a idéia, compram o produto ou dão seu tempo crendo que fazem isso deliberadamente.

Será possível resistir? Quem tem força e vontade para tanto…?

É fundamental desenvolver uma postura crítica, a capacidade para julgar as idéias e comportamentos.

É fundamental ser capaz de perceber os fins pretendidos e meios utilizados pelos marketeiros, bem como ter uma boa consciência do que ganha e do que se perde pela assunção de determinados elementos culturais.

No livro “A Era da Manipulação”, Wilson Bryan Key discute diversos métodos subliminares de manipulação usados na mídia. Quando li o livro (por volta de 1991), achei a leitura impressionante e acredito que o livro ainda pode servir para despertar consciências.

Cabe citar uma opinião pertinente:

“Esta geração é light. Isso quer dizer que tende a buscar resultados sem esforço (baixos teores), como no caso da lipoaspiração e da ginástica passiva. No primeiro caso, você perde 30 quilos sem precisar fazer dieta (compra seu emagrecimento por meio de uma cirurgia); no segundo, faz exercícios sem fazer força (fazer força é coisa para guindaste). Aplicada à cultura, a geração light está desaprendendo a ler, a cultivar conversas profundas (e demoradas), preferindo fixar-se em clichês, chavões e comentários sobre assuntos apresentados na televisão. O máximo de aprofundamento a que chega é uma análise psicanalisante (está na moda falar de interioridades) de algum aspecto da vida, … . Se você analisar uma conversa, seja de jovens, seja de adultos, verá que ela se resume a comentar fatos do cotidiano… . O indivíduo espirituoso de antigamente – aquela personalidade viva, perspicaz, de tirocínio agudo, raciocínio rápido, e às vezes até mordaz em suas tiradas – se transformou no divertido. A pessoa divertida é aquela personalidade alegre e extrovertida, capaz de dizer um monte de bobagens e piadinhas de sentido duplo (seja na direção da indecência, seja na do “nenhum sentido”). Mas está em alta, porque o meio social quer diversão. Rubem Amorense: Icabode. Editora Ultimato (1998): pp.125-126.

[*] A capacidade de influência cultural da mídia é bastante significativa, como também é grande sua capacidade para sustentar o exorbitante consumo de supérfluos no país e no mundo. O Prof. Mário Sérgio Cortella (PUC-SP) discute a educação realizada pela mídia numa palestra apresentada num “Fórum Internacional sobre Criança e Consumo (2011)”: A Mídia como Corpo Docente (acessado em 22/03/2013). Dessa palestra, destaco a citação de François Rabelais feita pelo Prof. Cortella: “conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam.” Cortella acrescenta: “A gente pode, deve e tem de querer; do contrário, a gente desiste e aí apodrece o que falta.”
Registro também duas idéias apresentadas na palestra:
Se a mídia nos faz mal é porque permitimos. A frase do Prof. Cortella que resume essa idéia (referindo-se especificamente a influência da mídia sobre os filhos): “[a mídia] abre porta onde a gente deixou a porta destrancada”.
– “Nossa tarefa é impedir que as nossas gerações que conosco partilham a vida, [que] elas sejam destrutivas, que elas sejam consumistas, que elas sejam ególatras, que elas sejam capazes de esquecer que a regra básica não é, não é e não pode ser, cada um por si e Deus por todos, mas a regra é outra é um por todos e todos por um.”


 O Reinado de Estupidez
Duas coisas me confundem,
e uma terceira eu não entendo:
Que um jovem se dedique a sandices,
Que se gabe delas,
E que amigos o louvem por isso!
Talvez haja uma explicação:
Numa nação de tolos,
A ignorância é virtude,
Os idiotas são príncipes,
e o mais bruto reina todos!

Lúcio Fassarella
São Mateus – ES, 10 de Outubro de 2012

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