Educação garante desenvolvimento econômico?

Elemento do senso comum atual é a ideia de que a educação proporciona desenvolvimento econômico. No nível individual ela é bem fundamentada, já que há uma correlação positiva entre nível educacional e renda média individuais; entretanto, os dados mostram que a ideia não vinga no âmbito nacional: o aumento do nível educacional de um país não garante seu desenvolvimento econômico (Pritchett, 2011; especificamente Table 1, p.371 ). Ou seja, a educação pode ser condição necessária, mas não é suficiente para um país ficar mais próspero e rico.

Pensando bem, é natural que a educação não garanta o desenvolvimento econômico de um país, pois este depende de vários outros fatores – por exemplo, conjuntura sociopolítica estável, sistema tributário favorável, cultura que valoriza/incentiva o empreendedorismo.

Uma conclusão importante disso é que investimentos governamentais em educação podem não dar o retorno esperado! Noutras  palavras, não basta o Estado investir em educação, é necessário algo mais.

Embora possa parecer frustrante  (especialmente para instituições de ensino e professores que defendem sua própria importância em termos da prosperidade individual ou social), há um aspecto positivo na dissociação entre educação e riqueza/economia: isso confronta a concepção (reducionista) de educação como valor econômico, mas deixa intocada a ideia (antiga) de que a educação é um valor humano.

Quer saber mais? Então leia:

  • Alison Wolf: Does Education Metter? Myths About Education and Economic Growth. Penguin: Londres, 2002.
  • L. Pritchett: Where has all the education gone? World Bank Economic Review Vol.15, no.3 (September 2001): 367. Link!

Universidades Globalizadas

As universidades estão se globalizando, naturalmente. Aquelas mais articuladas estão gerando uma revolução educacional, com o desenvolvimento de novas características, novos recursos e novas metodologias de ensino, pesquisa e extensão.

Universidades on-line

Diversas instituições de ensino superior no Brasil e no mundo têm aderido a ideia de ofertar cursos gratuitos pela Internet [Co2013] [Ri2013]. É uma adesão natural e necessária, pois esses cursos requerem relativamente poucos investimentos em recursos materiais e humanos, enquanto podem trazer enormes benefícios, dentre os quais um grande número de pessoas alcançadas e a alta qualidade dos cursos.

Uma revolução no ensino está em curso e a tendência é de incorporar definitivamente os recursos digitais e a internet :

“Mattos, da Perestroika, cita três momentos paradigmáticos da história da humanidade: a revolução agrícola, a industrial e a digital. Esta última, acontece agora. ‘Estamos surfando numa onda e não sabemos onde nem como ela vai quebrar. Tudo indica que teremos muitas mudanças daqui para frente’, prevê o educador.” [Go2013]

Imagino que grandes e pequenas universidades têm seus nichos, pois há tanto generalidades quanto particularidades nos temas de estudo, métodos de ensino e modos de aprendizado. O que nenhuma instituição de ensino superior pode fazer é “perder o bonde da história”…

Em sintonia com a tendência para fazer educação através da Internet, o Departamento de Matemática Aplicada do CEUNES decidiu em 2012 criar o “Portal da Matemática”, cujo atual endereço eletrônico é: http://www.matematica.saomateus.ufes.br

Ciberinfraestrutura: Certamente pensando nas especificidades do ensino e da pesquisa com base na Internet, a diretora adjunta de Internet Avançada da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Iara Machado, defende que as atividades acadêmicas e de ensino tenham sua própria “ciberinfraestrutura”:

“Um perímetro da rede deve ser desenhado para que equipamentos, configurações e políticas de segurança sejam otimizados para aplicações científicas de alto desempenho, em vez de atender requisitos genéricos de computação corporativos ou de negócios.” [As2013]

Flexibilidade Curricular

O uso intensivo de recursos on-line é apenas uma das novas características das universidades globalizadas; dentre outras, destacam-se: currículos flexíveis, atividades extra-curriculares e multidisciplinaridade. Depois de apresentar as realizações de três estudantes de engenharia, José Roberto Cardoso pergunta:

“Será que não precisamos refletir sobre o papel da universidade na formação de nossos jovens, em particular de nossos jovens engenheiros? O que fazer para navegar de uma estrutura rígida e cristalizada, que nos confina em silos, para uma estrutura flexível e moldável, na qual a especialização seja substituída pela visão sistêmica de um problema[?]” [Ca2013]

Referências

[Co2013] Carolina Cortez (Valor Econômico): Universidades lançam cursos gratuitos on-line. JC e-mail 4736, de 29 de Maio de 2013. Link!

[Ri2013] Sabine Righetti (Folha de S.Paulo): USP lança curso on-line de física e de estatística. JC e-mail 4744, de 11 de Junho de 2013. Link!

[Go2013] Patricia Gomes (Portal Porvir): Quando a revolução do ensino superior bate à porta. JC e-mail 4745, de 12 de Junho de 2013. Link!

[As2013] Ascom RNP: “Campus do futuro” pede infraestrutura própria, diz diretora da RNP. JC e-mail 4736, de 29 de Maio de 2013. Link!

[Ca2013] José Roberto Cardoso: O fim da escola de engenharia como a conhecemos. JC e-mail 4566, de 21 de Agosto de 2012. [Link!]

Breve opinião sobre o SISU

Considero excelente a iniciativa de universalizar o processo de seleção para ingresso nas universidades e institutos federais de educação superior (Ifes), no sentido de permitir que todos os interessados possam concorrer a todas as vagas em todas as instituições, e isso através de um exame único e bem elaborado.

A idéia do Sistema de Seleção Unificada (SISU) desenvolvida pelo MEC tem diversas implicações positivas, as quais superam largamente os aspectos negativos. Destaco os seguintes pontos positivos:

– Democratização dos processos seletivos para o ensino superior público, na medida em que torna possível aos candidatos concorrer a todos os cursos cadastrados no sistema, e isso de modo eficiente e sem custos financeiros;

– Promoção da “boa concorrência” entre estudantes e entre instituições: concorrência entre os estudantes pelas melhores instituições e concorrência entre as instituições pelos melhores estudantes;

– Eliminação de trabalho e despesas dispendidos pelas Ifes com a realização de vestibulares;

– Redução do não-preenchimento de vagas, principalente nos cursos que têm baixa concorrência;

– Aumento da transparência dos processos seletivos para ingresso nas Ifes, por retirar essa incumbência das instituições;

– Estímulo à iniciativa de realizar curso superior, principalmente entre os residentes nas cidades onde as Ifes não oferecem cursos.

Aspectos negativos vão existir em qualquer proposta de seleção para ingresso as Ifes. Destaco as seguintes consequências negativas decorrentes da adoção do SISU:

– A elevação da importância do ENEM ao status de “vestibular nacional” gera o risco de que possíveis problemas nesse exame num determinado ano prejudiquem amplamente o ingresso nas Ifes e gere enormes despesas compensatórias;

– Retardamento na definição das turmas de calouros, cujo efeito dependerá dos métodos e períodos de matrículas a serem adotados pelas Ifes;

A questão da universalização dos processos seletivos para ingresso nas Ifes tem natural relações com outras questões prementes, especialmente com as políticas de apoio à permanência dos estudantes e desempenho acadêmico. Seguem algumas considerações pertinentes.

Para cursos que são bastante concorridos, o SISU pode não melhorar significativamente suas estatísticas sobre preenchimento de vagas e rendimento médio dos acadêmicos. Entretanto, considero que a questão precisa ser encarada como política institucional (senão como política federal), de modo que seja evitado qualquer casuísmo motivado pela mera conveniência ou lides de pequena importância.

Para cursos que têm baixa concorrência e que são procurados majoritariamente por pessoas com limitações financeiras, o SISU não basta: é preciso também (i) estimular o interesse por esses cursos, (ii) amparar com suporte financeiro a permanência dos estudantes carentes (iii) subsidiar o bom desempenho acadêmico com infra-estrutura adequada, bem como com um corpo técnico e docente qualificado e comprometido.

Essas ações são urgentes para cursos que têm importância estratégica e são fundamentais para o desenvolvimento técnico-científico e cultural do país mas que (historicamente) têm tido baixa procura, baixa proporção de formandos em relação ao número de ingressantes e cujo pefil discente médio é desfavorecido economicamente. Essa situação é típica de alguns cursos da UFES, particularmente dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática do CEUNES.

Infelizmente, no CEUNES/UFES faltam instalações e programas eficientes para permanência de estudantes que não residam na cidade e/ou que não possuam recursos financeiros para custear suas despesas pessoais e gastos acadêmicos. Se continuar assim, para alguns cursos do CEUNES, os efeitos positivos da adoção do SISU ficam bastante limitados. Isso é lamentável especialmente porque imagino que muitos estudantes fora de São Mateus poderiam vir estudar no CEUNES se tivessem a garantia de poder morar e se manter na cidade com razoável qualidade.

Finalmente, aproveito para apresentar a idéia de um programa para estímulo e permanência de alunos dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática do CEUNES [*]: oferecer uma bolsa mensal (1 salário mínimo, aproximadamente) para todos os ingressantes nesses cursos durante o primeiro semestre letivo, com renovação automática condicionada apenas a um razoável desempenho acadêmico. A idéia é simples e também relativamente barata: 30 bolsas no valor de 1 salário mínimo custariam hoje em torno de R$18.000,00 – aproximadamente o valor do salário de apenas um professor titular; já o custo mensal com 120 bolsistas (4 turmas com 30 alunos em média) seria menor do que R$80.000,00 – valor aproximado da verba de gabinete de um único deputado federal [**]. Tenho certeza de que projetos assim tornariam o investimento financeiro nos cursos de Matemática do CEUNES mais compensatório a médio e longo prazo, no sentido de, no médio prazo, aumentarem significativamente a razão entre o número de alunos formandos e os custos de manutenção dos cursos e, no longo prazo, constituirem um contingente de matemáticos profissionais para atuarem no ensino, na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico do país.

[*] Esse tipo de proposta é atual porque neste momento não há nenhum projeto institucional em andamento na UFES voltado para o estímulo e apoio dos alunos nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática no CEUNES capaz de significativamente aumentar a concorrência pelo ingresso, reduzir os índices de evasão e melhorar o desempenho acadêmico. (Destaco que o PIBID contempla menos de 20 bolsistas do curso de Licenciatura em Matemática do CEUNES e que um programa PET mais projetos de iniciação científica poderia envolver um número similar de alunos do curso de Bacharelado em Matemática, sendo o valor das bolsas R$400,00 ou algo próximo disso.) A proposta também é oportuna diante das diversas manifações contra a necessidade/utilidade de aplicar 10% do PIB na educação. Aliás, muitas dessas manifestações nos levantam a suspeita de falta de imaginação e falta de interesse político…

[**] G1 – Política, 04/07/2012: Câmara aumenta verba de gabinete de R$ 60 mil para R$ 78 mil. [Link! 16/09/2012] Eu sinceramente acho que o custeio de 120 alunos do curso de Bacharelado em Matemática do CEUNES traria mais retorno para o Brasil do que o que atualmente se gasta com um dos 513 deputados federais e seus respectivos gabinetes…

São Mateus – ES, 15 de Setembro de 2012

Atualizações

  1. O Governo Federal institui a Bolsa Permanência para estudantes das universidades federais de baixa renda. Eu apoio a iniciativa, mas penso que a manutenção do benefício para além do primeiro ano deveria estar condicionada a critérios de rendimento no curso tais como: aprovação em pelo menos 3 disciplinas por semestre letivo, não ocorrência de reprovação por infrequência (sem adequada justificativa), não ocorrência de 3 reprovações numa mesma disciplina (sem adequada justificativa), etc. Condicionar a bolsa ao rendimento escolar não é apenas razoável, mas também justo – um dever que segue naturalmente do direito: imagino que, mesmo os estudantes das universidades federais ficariam indignados com a situação de ter colegas recebendo uma bolsa sem nenhuma contrapartida por isso, podendo até mesmo ficar sem estudar e frequentar as aulas. Além disso, há o aspecto da coerência: como o Governo Federal tem imposto as universidade federais exigências de rendimento (dentre elas uma relação mínima entre o número de alunos concluintes e o número de alunos ingressantes em cada curso), ele deveria também exigir rendimento dos alunos que recebem bolsa pelo simples fato de estarem matriculados. Entretanto, “Speller [secretário de Educação Superior do MEC] informou que não será exigida contrapartida de desempenho acadêmico nem frequência às aulas. O período de concessão do benefício é limitado a dois semestres além da duração regular do curso” [Link!11/05/2013]. Enfim, só podemos torcer para que a idéia não atrapalhe ao invés de ajudar (como deveria)…

    Referências:
    – O Globo (RJ): Universitários de baixa renda terão bolsa de R$ 400 em federais; para indígenas e quilombolas, benefício será de R$ 900 por mês. Link(11/05/2013)!
    – O Estado de São Paulo (SP): Bolsa universitária paga mais para índio; Governo lança benefício de R$ 400 para estudantes de escolas federais; para indígenas e quilombolas, porém, valor é de R$ 900. Link(11/05/2013)!]

  2.  O SISU depende fundamentalmente de um exame nacional para avalisar/selecionar os candidatos a vagas na educação superior. Considerando as dimensões do Brasil e a importância desse exame, o MEC deve constituir uma equipe extremamente competente para elaborar/corrigir a prova e também gerenciar um contingente suficientemente grande de pessoas para distribuir, aplicar e recolher as provas mantendo o sigilo e a segurança das informações. As dificuldades tornam previsíveis a ocorrência de problemas! O ENEM tem sido utilizado como o exame do SISU e não faltam críticas…

    Referências:
    – Estado de Minas (MG): Refazer o Ensino Médio. Link (05/06/2013)! Citação: “Estamos cada vez mais próximos de abandonar o Ensino maçante, baseado na memorização, para propagar o aprendizado intuitivo e focado no desenvolvimento da capacidade de sempre mobilizar, articular e colocar em prática conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções.
    – J. Serra: O MEC deve desculpas aos estudantes. Link (28/03/2013)!

  3. A UFES aderiu parcialmente ao SISU em 2013, para os cursos do CEUNES e do CCA que realizam o Processo Seletivo Simplificado (vestibular de inverno). A decisão foi tomada no dia 13 de Março pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão; segundo o Reitor, Reinaldo Centoducatte: “Para nós, que estamos iniciando com cursos do Ceunes e do CCA, será uma fase de experimentação e avaliação, tanto quanto à ampliação do número de candidatos quanto à efetividade do Enem como processo seletivo” (link,18/03/2013).